As pessoas falam sobre a grandeza de seu país, sobre a força do governo e o poder da classe capitalista. Vamos ver em que realmente consiste esse poder, onde ele reside e quem de fato o possui.
O que é o governo de um país? É o Rei com seus ministros, ou o Presidente com seu gabinete, o Parlamento ou o Congresso, e os funcionários dos diversos departamentos Estaduais e Federais. No total, um pequeno número de pessoas em comparação com toda a população.
Agora, quando é que esse punhado de homens, chamado governo, é forte e em que consiste sua força?
Ele é forte quando o povo está com ele. Então o povo fornece ao governo dinheiro, exército e marinha, obedece a ele e o capacita a funcionar. Em outras palavras, a força de um governo depende inteiramente do apoio que recebe.
Mas algum governo pode existir se o povo estiver ativamente contra ele? Mesmo o governo mais forte poderia realizar qualquer empreendimento sem a ajuda da população, sem o auxílio das massas, dos trabalhadores do país?
É claro que nenhum governo pode fazer nada sozinho. Ele só pode fazer o que o povo aprova ou pelo menos permite que seja feito.
Tomemos como exemplo a Grande Guerra Mundial. Os financistas americanos queriam que os Estados Unidos entrassem nela, porque sabiam que obteriam lucros tremendos, como de fato obtiveram. Mas o trabalho nada tinha a ganhar com a guerra, pois como poderiam os trabalhadores se beneficiar com o massacre de seus semelhantes em outro país? As massas da América não eram favoráveis a se envolver no conflito europeu. Como mencionado anteriormente, elas haviam eleito Woodrow Wilson como Presidente com a plataforma “nos mantenha fora da guerra”. Se o povo americano tivesse persistido nessa determinação, poderia o governo tê-los levado à carnificina?
Como foi então que o povo dos Estados Unidos foi induzido a entrar na guerra quando havia votado contra ela elegendo Wilson? Já expliquei isso em capítulo anterior. Os interessados em entrar na guerra iniciaram uma grande propaganda a favor dela. Foi realizada pela imprensa, nas escolas e nos púlpitos; com desfiles de preparação, oradores patrióticos, e clamores por “democracia” e “guerra para acabar com a guerra”. Foi uma forma abominável de enganar o povo, fazendo-o acreditar que a guerra era por algum “ideal” em vez de ser apenas uma guerra capitalista por lucros, como são todas as guerras modernas. Milhões de dólares foram gastos nessa propaganda, dinheiro do próprio povo, é claro, pois no final é o povo quem paga por tudo. Um entusiasmo artificial foi criado, com toda sorte de promessas aos trabalhadores sobre as maravilhas que resultariam da guerra. Foi a maior fraude e embuste, mas o povo dos Estados Unidos caiu nela e foi à guerra, embora não voluntariamente, mas por conscrição.
E os porta-vozes dos trabalhadores, os líderes sindicais? Como sempre, provaram ser os melhores “patriotas”, conclamando seus membros de sindicato a irem se deixar matar para maior glória de Mamon. O que fez Samuel Gompers, então Presidente da Federação Americana do Trabalho? Tornou-se o braço direito do Presidente Wilson, seu principal tenente de recrutamento. Ele e seus oficiais sindicais transformaram-se em sargentos do capital para reunir trabalhadores para o massacre. Os líderes sindicais dos outros países fizeram o mesmo.
Todos sabem que a “guerra para acabar com a guerra” na realidade nada acabou. Pelo contrário, causou mais complicações políticas do que jamais houvera na Europa, e preparou o terreno para uma nova e ainda mais terrível guerra que a anterior. Mas essa questão não pertence aqui. Mencionei o assunto apenas para mostrar que sem Gompers e os outros líderes sindicais, sem o consentimento e o apoio das massas trabalhadoras, o governo dos Estados Unidos teria sido inteiramente incapaz de atender aos desejos dos senhores das finanças, da indústria e do comércio.
Ou consideremos o caso de Sacco e Vanzetti. Massachusetts poderia tê-los executado se os trabalhadores organizados da América tivessem sido contra isso, se tivessem agido para impedir? Suponhamos que os trabalhadores de Massachusetts tivessem se recusado a apoiar o governo estadual em sua intenção assassina: suponhamos que os trabalhadores tivessem boicotado o Governador e seus agentes, paralisado o fornecimento de alimentos, cortado seus meios de comunicação e desligado a corrente elétrica na prisão de Boston e Charleston. O governo teria ficado impotente para funcionar.
Se você observar essa questão com olhos claros e sem preconceitos, perceberá que não é o povo que depende do governo, como geralmente se acredita, mas exatamente o contrário.
Quando o povo retira seu apoio ao governo, quando recusa obediência e não paga impostos, o que acontece? O governo não pode sustentar seus funcionários, não pode pagar sua polícia, não pode alimentar seu exército e marinha. Fica sem fundos, sem meios de executar suas ordens. Está paralisado. O punhado de pessoas que se autodenomina governo torna-se impotente — perde seu poder e autoridade. Se conseguirem reunir homens suficientes para ajudá-los, podem tentar lutar contra o povo. Se não conseguirem, ou perderem a luta, terão que desistir. Seu “governo” chega ao fim.
Ou seja, o poder mesmo do governo mais forte repousa inteiramente no povo, em seu apoio e obediência voluntária. Segue-se que o governo em si mesmo não tem poder algum. No momento em que o povo se recusa a se submeter à sua autoridade, o governo deixa de existir.
Agora, qual é a força do capitalismo? O poder dos capitalistas reside neles mesmos, ou de onde vem?
É evidente que sua força está em seu capital, em sua riqueza. Eles possuem as indústrias, lojas, fábricas e terras. Mas essas posses não lhes serviriam de nada se não fosse a disposição do povo em trabalhar para eles e lhes pagar tributo. Suponha que os trabalhadores dissessem aos capitalistas: “Estamos cansados de gerar lucros para vocês. Não vamos mais nos escravizar. Vocês não criaram a terra, nem construíram as fábricas, nem os moinhos ou lojas. Nós os construímos e, de agora em diante, vamos usá-los para trabalhar e o que produzirmos não será de vocês, mas pertencerá ao povo. Vocês não receberão nada e nem mesmo lhes daremos comida em troca de seu dinheiro. Vocês serão como nós e trabalharão como todos nós.”
O que aconteceria? Ora, os capitalistas apelariam ao governo por ajuda. Exigiriam proteção para seus interesses e posses. Mas se o povo se recusasse a reconhecer a autoridade do governo, este também estaria impotente.
Você pode dizer que isso é revolução. Talvez seja. Mas, chame como quiser, significaria isto: o governo e os capitalistas — os governantes políticos e financeiros — descobririam que todo seu poder e força tão vangloriados desaparecem quando o povo se recusa a reconhecê-los como mestres, se recusa a deixá-los dominar.
Isso pode acontecer, você se pergunta? Bem, já aconteceu muitas vezes antes, e não há tanto tempo, novamente na Rússia, na Alemanha, na Áustria. Na Alemanha, aquele poderoso senhor da guerra, o Kaiser, teve que fugir para salvar a vida porque as massas decidiram que não o queriam mais. Na Áustria, a monarquia foi expulsa porque o povo se cansou de sua tirania e corrupção. Na Rússia, o mais poderoso Czar ficou feliz em abdicar para salvar sua cabeça — e falhou até nisso. Em sua própria capital ele não conseguiu encontrar um único regimento que o protegesse, e toda sua grande autoridade evaporou-se quando o povo recusou-se a se curvar a ela. Da mesma forma, os capitalistas da Rússia ficaram impotentes quando o povo parou de trabalhar para eles e tomou para si a terra, as fábricas, as minas e os moinhos. Todo o dinheiro e “poder” da burguesia na Rússia não puderam garantir-lhes nem mesmo uma libra de pão quando as massas se recusaram a fornecê-lo sem trabalho honesto.
O que tudo isso prova?
Prova que o chamado poder político, industrial e financeiro, toda a autoridade do governo e do capitalismo está realmente nas mãos do povo. Prova que apenas o povo, as massas, têm poder.
Esse poder, o poder do povo, é real: não pode ser retirado, como o poder do governante, do político ou do capitalista pode ser. Não pode ser retirado porque não consiste em posses, mas em capacidade. É a capacidade de criar, de produzir; o poder que alimenta e veste o mundo, que nos dá vida, saúde e conforto, alegria e prazer.
Quão grande é esse poder você perceberá ao se perguntar:
- A vida seria possível se os trabalhadores não labutassem? As cidades não morreriam de fome se os fazendeiros deixassem de fornecer alimentos?
- As ferrovias funcionariam se os ferroviários suspendessem o trabalho? Alguma fábrica, loja ou moinho continuaria a operar sem os mineiros de carvão?
- O comércio ou o transporte poderiam continuar se os trabalhadores do transporte entrassem em greve?
- Os teatros e cinemas, seu escritório e sua casa teriam luz se os eletricistas não fornecessem a corrente?
De fato, como disse o poeta:
“Todas as rodas param
Quando seus braços fortes assim o querem.”
Esse é o poder produtivo, industrial do trabalho.
Ele não depende de política alguma, nem de rei, presidente, parlamento ou congresso. Não depende da polícia, nem do exército e da marinha — pois estes apenas consomem e destroem, nada criam. Tampouco depende de leis e regulamentos, de legisladores ou tribunais, de políticos ou plutocratas. Reside inteiramente e exclusivamente na capacidade dos trabalhadores nas fábricas e nos campos, no cérebro e na força física do proletariado industrial e agrícola para trabalhar, criar, produzir.
É o poder produtivo dos trabalhadores — do homem com o arado e o martelo, do homem da mente e do músculo, das massas, de toda a classe trabalhadora.
Segue-se, portanto, que a classe trabalhadora, em cada país, é a parte mais importante da população. De fato, é a única parte vital. O restante das pessoas ajuda na vida social, mas, se necessário, poderíamos prescindir delas, enquanto não poderíamos viver nem um único dia sem o homem do trabalho. Dele é o poder econômico essencial.
A força do governo e do capital é externa, fora deles mesmos.
A força do trabalho não é externa. Ela reside em si mesma, em sua capacidade de trabalhar e criar. É o único poder real.
No entanto, o trabalho é mantido na base mais baixa da escala social.
Não é um mundo de cabeça para baixo, este mundo do capitalismo e do governo? Os trabalhadores, que como classe são a parte mais essencial da sociedade, que sozinhos têm poder real, estão impotentes nas condições atuais. Eles são a classe mais pobre, a menos influente e a menos respeitada. São desprezados, vítimas de toda forma de opressão e exploração, os menos valorizados e os menos honrados. Vivem miseravelmente em cortiços feios e insalubres, a taxa de mortalidade é maior entre eles, as prisões estão cheias deles, a forca e a cadeira elétrica são para eles.
Essa é a recompensa do trabalho em nossa sociedade de governo e capitalismo; isso é o que você obtém do sistema de “lei e ordem”.
Tal lei e ordem merecem viver? Tal sistema social deve ser permitido continuar? Não deveria ser mudado por algo melhor, e não é o trabalhador mais interessado do que qualquer outro em garantir que isso aconteça? Sua própria organização, construída especialmente para seus interesses — o sindicato — não deveria ajudá-lo a fazer isso?
Como?
- Informações
- Prefácio
- Introdução
- Capítulo 1 — O que você quer da vida?
- Capítulo 2 — O sistema de salários
- Capítulo 3 — Lei e governo
- Capítulo 4 — Como o sistema funciona
- Capítulo 5 — Desemprego
- Capítulo 6 — Guerra?
- Capítulo 7 — Igreja e escola
- Capítulo 8 — Justiça
- Capítulo 9 — A igreja pode ajudá-lo?
- Capítulo 10 — O reformador e o político
- Capítulo 11 — O sindicato
- Capítulo 12 — De quem é o poder?
- Capítulo 13 — Socialismo
- Capítulo 14 — A Revolução de Fevereiro
- Capítulo 15 — Entre fevereiro e outubro
- Capítulo 16 — Os bolcheviques
- Capítulo 17 — Revolução e ditadura
- Capítulo 18 — A ditadura em ação
- Capítulo 19 — O anarquismo é violência?
- Capítulo 20 — O que é o anarquismo?
- Capítulo 21 — A anarquia é possível?
- Capítulo 22 — O anarquismo comunista vai funcionar?
- Capítulo 23 — Anarquistas não-comunistas
- Capítulo 24 — Por que a revolução?
- Capítulo 25 — A ideia é o essencial
- Capítulo 26 — Preparação
- Capítulo 27 — Organização do trabalho para a revolução social
- Capítulo 28 — Princípios e prática
- Capítulo 29 — Consumo e troca
- Capítulo 30 — Produção
- Capítulo 31 — Defesa da revolução