Capítulo 8 — Justiça

Não, meu amigo, por mais terrível que seja admitir, não há justiça no mundo.

Pior ainda: não pode haver justiça enquanto vivermos em condições que permitam a uma pessoa tirar vantagem da necessidade de outra, transformá-la em lucro e explorar seu semelhante.

Não pode haver justiça enquanto um homem governar outro; enquanto um tiver autoridade e poder para obrigar outro contra a sua vontade.

Não pode haver justiça entre patrão e empregado.

Nem igualdade.

Justiça e igualdade só podem existir entre iguais. O humilde varredor de rua é o igual social de Morgan? A lavadeira é igual à Lady Astor?

Deixe a lavadeira e a Lady Astor entrarem em qualquer lugar, privado ou público. Elas receberão o mesmo acolhimento e tratamento? O próprio vestuário delas determinará a recepção que cada uma terá. Porque até mesmo suas roupas indicam, nas condições atuais, a diferença em sua posição social, em sua situação de vida, em sua influência e riqueza.

A lavadeira pode ter trabalhado duro durante toda a sua vida, pode ter sido uma membro industriosa e útil da comunidade. A Lady pode nunca ter feito um único trabalho, nunca ter sido de qualquer utilidade para a sociedade. Apesar disso, será a rica senhora que será bem-vinda, que será preferida.

Escolhi este exemplo simples porque ele é típico de todo o caráter de nossa sociedade, de toda a nossa civilização.

É o dinheiro e a influência e autoridade que o dinheiro comanda que contam no mundo.

Não é a justiça, mas a posse.

Amplie esse exemplo para abranger a sua própria vida, e você verá que justiça e igualdade são apenas palavras vazias, mentiras que lhe ensinam, enquanto dinheiro e poder são a realidade, o que é real.

No entanto, existe um senso profundo de justiça na humanidade, e sua melhor natureza sempre se revolta quando você vê uma injustiça ser cometida contra alguém. Você se sente indignado e revoltado: porque todos nós temos uma simpatia instintiva pelo nosso semelhante, pois por natureza e hábito somos seres sociais. Mas quando seus interesses ou sua segurança estão envolvidos, você age de forma diferente; você até sente de maneira diferente.

Suponha que você veja seu irmão fazer algo errado contra um estranho. Você chamará a atenção dele para isso, você o repreenderá.

Quando você vê seu patrão cometer uma injustiça contra algum colega de trabalho, você também se ressente e sente vontade de protestar. Mas provavelmente se conterá de expressar seus sentimentos porque pode perder o emprego ou se prejudicar com seu chefe.

Seus interesses suprimem o impulso melhor da sua natureza. Sua dependência do chefe e do poder econômico dele sobre você influenciam seu comportamento.

Suponha que você veja João bater e chutar Bill enquanto este está caído no chão. Ambos podem ser estranhos para você, mas se você não tiver medo de João, irá dizer a ele para parar de chutar um companheiro indefeso.

Mas quando você vê um policial fazer a mesma coisa com um cidadão, pensará duas vezes antes de interferir, porque ele também pode espancá-lo e ainda prendê-lo. Ele tem autoridade.

João, que não tem autoridade e que sabe que alguém pode interferir quando ele age injustamente, será — em geral — mais cuidadoso com suas ações.

O policial, que possui autoridade e sabe que há pouca chance de alguém interferir, estará mais propenso a agir de forma injusta.

Mesmo nesse exemplo simples você pode observar o efeito da autoridade: seu efeito sobre quem a possui e sobre aqueles sobre quem ela é exercida. A autoridade tende a tornar seu possuidor injusto e arbitrário; também torna aqueles que estão sujeitos a ela complacentes com o erro, subservientes e servis. A autoridade corrompe quem a detém e degrada suas vítimas.

Se isso é verdadeiro nas relações mais simples da existência, quanto mais no amplo campo da nossa vida industrial, política e social?

Vimos como sua dependência econômica do patrão afeta suas ações. Da mesma forma, ela influenciará outros que também dependem dele e de sua boa vontade. Seus interesses, portanto, controlarão suas ações, mesmo que não estejam plenamente conscientes disso.

E o patrão? Ele também não será influenciado por seus interesses? Suas simpatias, sua atitude e comportamento não serão resultado de seus interesses particulares?

O fato é que todos são, em grande parte, controlados por seus interesses. Nossos sentimentos, nossos pensamentos, nossas ações, toda nossa vida é moldada, consciente ou inconscientemente, por nossos interesses.

Estou falando da natureza humana comum, do homem médio. Aqui e ali você encontrará casos que parecem exceções. Uma grande ideia ou um ideal, por exemplo, pode tomar tal posse de uma pessoa que ela se dedicará inteiramente a ele e às vezes até sacrificará sua vida por ele. Em tal caso, pode parecer que a pessoa agiu contra seus próprios interesses. Mas isso é um erro — apenas parece assim. Pois, na realidade, a ideia ou o ideal pelo qual a pessoa viveu ou até deu sua vida era seu principal interesse. A única diferença é que o idealista encontra seu principal interesse em viver por uma ideia, enquanto o interesse mais forte do homem comum é progredir no mundo e viver confortavelmente e em paz. Mas ambos são controlados por seus interesses dominantes.

Os interesses dos homens diferem, mas todos somos iguais no sentido de que cada um sente, pensa e age de acordo com seus interesses particulares, sua concepção deles.

Agora, então, você pode esperar que seu chefe sinta e aja contra seus interesses? Você pode esperar que o capitalista se guie pelos interesses de seus empregados? Você pode esperar que o dono da mina administre seu negócio pensando nos interesses dos mineiros?

Vimos que os interesses do empregador e do empregado são diferentes; tão diferentes que se opõem entre si.

Pode haver justiça entre eles? Justiça significa que cada um receba o que lhe é devido. Pode o trabalhador receber o que lhe é devido ou ter justiça na sociedade capitalista?

Se pudesse, o capitalismo não existiria: porque então o patrão não poderia obter nenhum lucro do seu trabalho. Se o trabalhador recebesse o que lhe é devido — isto é, as coisas que ele produz ou o seu equivalente —, de onde viriam os lucros do capitalista? Se o trabalho fosse dono da riqueza que produz, não haveria capitalismo.

Isso significa que o trabalhador não pode receber aquilo que produz, não pode receber o que lhe é devido, e, portanto, não pode obter justiça sob a escravidão do trabalho assalariado.

‘Se é esse o caso’, você comenta, ‘ele pode recorrer à lei, aos tribunais.’

O que são os tribunais? Que propósito eles servem? Eles existem para sustentar a lei. Se alguém roubou seu sobretudo e você puder provar isso, os tribunais decidirão a seu favor. Se o acusado for rico ou tiver um advogado esperto, as chances são de que o veredicto será no sentido de que tudo não passou de um mal-entendido, ou de que foi um ato de aberração, e o homem provavelmente será absolvido.

Mas se você acusar seu patrão de roubá-lo da maior parte do seu trabalho, de explorá-lo para seu benefício e lucro pessoal, poderá obter o que lhe é devido nos tribunais? O juiz rejeitará o caso, porque não é contra a lei que seu patrão obtenha lucros do seu trabalho. Não há nenhuma lei que o proíba. Você não obterá justiça dessa forma.

Diz-se que ‘a justiça é cega.’ Por isso entende-se que ela não reconhece distinções de posição, influência, raça, credo ou cor.

Essa proposição precisa apenas ser enunciada para se mostrar completamente falsa. Pois a justiça é administrada por seres humanos, por juízes e jurados, e todo ser humano tem seus interesses particulares, sem falar de seus sentimentos pessoais, opiniões, gostos, aversões e preconceitos, dos quais não pode se livrar simplesmente vestindo uma toga de juiz e sentando-se no tribunal. A atitude do juiz diante das coisas — como a de qualquer outra pessoa — será determinada, consciente ou inconscientemente, por sua educação e criação, pelo ambiente em que vive, por seus sentimentos e opiniões, e particularmente por seus interesses e pelos interesses do grupo social ao qual pertence.

Considerando o exposto, você deve perceber que a suposta imparcialidade dos tribunais é, na verdade, uma impossibilidade psicológica. Não existe tal coisa, nem pode existir. No melhor dos casos, o juiz pode ser relativamente imparcial em casos nos quais nem seus sentimentos nem seus interesses — como indivíduo ou membro de determinado grupo social — estejam envolvidos. Nesses casos, você pode obter justiça. Mas geralmente são casos de pouca importância e desempenham um papel insignificante na administração geral da justiça.

Tomemos um exemplo. Suponha que dois empresários estejam disputando a posse de uma determinada propriedade, sem que a questão envolva considerações políticas ou sociais de qualquer tipo. Nesse caso, o juiz, não tendo nenhum sentimento ou interesse pessoal na questão, pode decidir o caso com base em seus méritos. Mesmo assim, sua atitude dependerá em grande medida de seu estado de saúde e digestão, do humor com que saiu de casa, de uma possível briga com a esposa, e de outros fatores humanos aparentemente sem importância, mas muito decisivos.

Ou suponha que dois operários estejam em litígio pela propriedade de um galinheiro. O juiz pode, nesse caso, decidir com justiça, já que um veredicto favorável a um ou outro dos litigantes não afeta de maneira alguma a posição, sentimentos ou interesses do juiz.

Mas suponha que o caso diante dele seja de um operário em litígio com seu senhorio ou patrão. Nessas circunstâncias, todo o caráter e personalidade do juiz afetarão sua decisão. Não que ele necessariamente será injusto. Esse não é o ponto que estou tentando destacar. O que quero chamar sua atenção é para o fato de que, nesse caso, a atitude do juiz não pode ser, e não será, imparcial. Seus sentimentos em relação aos operários, sua opinião pessoal sobre senhores de terra ou patrões, e suas visões sociais influenciarão seu julgamento, às vezes até de forma inconsciente. Seu veredicto pode ou não ser justo; em qualquer caso, não será baseado exclusivamente nas provas. Será afetado por seus sentimentos pessoais, subjetivos, e por suas opiniões sobre o trabalho e o capital. Sua atitude, em geral, será a mesma de seu círculo de amigos e conhecidos, de seu grupo social, e suas opiniões corresponderão aos interesses desse grupo. Ele pode até ser ele próprio um senhorio ou possuir ações em uma corporação que emprega trabalhadores. Consciente ou inconscientemente, sua visão das provas apresentadas no julgamento será colorida por seus sentimentos e preconceitos, e seu veredicto será resultado disso.

Além disso, a aparência dos dois litigantes, seu modo de falar e comportamento, e particularmente sua respectiva capacidade de contratar advogados competentes, terão uma influência considerável nas impressões do juiz e, consequentemente, em sua decisão.

Portanto, é claro que nesses casos o veredicto dependerá mais da mentalidade e da consciência de classe do juiz particular do que dos méritos da causa.

Essa experiência é tão generalizada que o povo a expressou no sentimento de que ‘o pobre não consegue justiça contra o rico.’ Pode haver exceções de vez em quando, mas geralmente é verdade e não pode ser diferente enquanto a sociedade estiver dividida em diferentes classes com interesses conflitantes. Enquanto isso perdurar, a justiça será tendenciosa, justiça de classe; ou seja, injustiça a favor de uma classe contra outra.

Você pode ver isso ainda mais claramente ilustrado em casos que envolvem questões de classe definidas, casos de luta de classes.

Tomemos, por exemplo, uma greve de trabalhadores contra uma corporação ou um patrão rico. De que lado estarão os juízes, os tribunais? Quais interesses a lei e o governo protegerão? Os trabalhadores estão lutando por melhores condições de vida; eles têm esposas e filhos em casa pelos quais tentam conseguir uma fatia um pouco maior da riqueza que estão criando. A lei e o governo os ajudam nesse objetivo digno?

O que realmente acontece? Todo o aparato do governo vem em auxílio do capital contra o trabalho. Os tribunais emitirão uma liminar contra os grevistas, proibirão a formação de piquetes ou a tornarão ineficaz ao não permitir que os grevistas persuadam outros a não tirar seu sustento, a polícia espancará e prenderá os piqueteiros, os juízes lhes imporão multas e os enviarão rapidamente para a cadeia. Toda a máquina do governo estará a serviço dos capitalistas para quebrar a greve, esmagar o sindicato, se possível, e reduzir os trabalhadores à submissão. Às vezes o governador do Estado chamará até mesmo a milícia, o presidente ordenará o envio de tropas regulares — tudo em apoio ao capital contra o trabalho.

Enquanto isso, o truste ou a corporação onde a greve ocorre ordenará que seus empregados desocupem as casas da companhia, expulsando-os, junto com suas famílias, para o frio, e preencherá seus lugares na fábrica, mina ou usina com fura-greves, sob a proteção e com o auxílio da polícia, dos tribunais e do governo, todos sustentados pelo seu trabalho e pelos seus impostos.

Você pode falar de justiça sob tais circunstâncias? Pode ser tão ingênuo a ponto de acreditar que a justiça é possível na luta dos pobres contra os ricos, do trabalho contra o capital? Não vê que é uma luta amarga, um conflito de interesses opostos, uma guerra de classes? Pode esperar justiça em uma guerra?

Realmente, a classe capitalista sabe que é uma guerra, e usa todos os meios ao seu dispor para derrotar o trabalho. Mas os trabalhadores, infelizmente, não enxergam a situação com a mesma clareza de seus mestres, e por isso ainda toliceiam falando de ‘justiça’, ‘igualdade perante a lei’ e ‘liberdade’.

É útil à classe capitalista que os trabalhadores acreditem nesses contos de fadas. Isso garante a continuidade do domínio dos patrões. Portanto, eles se esforçam ao máximo para manter essa crença. A imprensa capitalista, os políticos, os oradores públicos, nunca perdem a oportunidade de lhe incutir que a lei significa justiça, que todos são iguais perante a lei, e que todos desfrutam de liberdade e têm as mesmas oportunidades na vida que qualquer outro. Toda a máquina da lei e da ordem, do capitalismo e do governo, toda a nossa civilização baseia-se nessa mentira gigantesca, e a constante propaganda feita pela escola, pela igreja e pela imprensa tem como único objetivo manter as condições como estão, sustentar e proteger as ‘sagradas instituições’ da sua escravidão salarial e mantê-lo obediente à lei e à autoridade.

Por todos os métodos possíveis, eles tentam inculcar essa mentira de ‘justiça’, ‘liberdade’ e ‘igualdade’ nas massas, pois sabem muito bem que todo o seu poder e domínio repousam sobre essa fé. Em toda oportunidade, apropriada ou não, eles alimentam você com essas patranhas; criaram até dias especiais para lhe imprimir essa lição de forma mais enfática. Seus encantadores de serpentes o enchem dessa ladainha no Quatro de Julho, e você é autorizado a descarregar sua miséria e insatisfação com rojões, esquecendo sua escravidão salarial no barulho e alvoroço. Que insulto à memória gloriosa daquele grande evento, a Guerra Revolucionária Americana, que aboliu a tirania de Jorge III e tornou as Colônias Americanas uma república independente! Agora o aniversário daquele evento é usado para mascarar sua servidão no país onde os trabalhadores não têm liberdade nem independência. Para acrescentar insulto à injúria, deram-lhe um Dia de Ação de Graças, para que possa oferecer graças piedosas pelo que não tem!

Tão grande é a certeza de seus mestres na sua estupidez que eles ousam fazer tais coisas. Sentem-se seguros por terem enganado você tão completamente e reduzido seu espírito naturalmente rebelde a tão abjeta adoração da ‘lei e ordem’ que você jamais sonhará em abrir os olhos e deixar seu coração clamar em protesto e desafio indignados.

Ao menor sinal de rebelião sua, todo o peso do governo, da lei e da ordem recai sobre sua cabeça, começando com o cassetete do policial, a cadeia, a prisão, e terminando na forca ou na cadeira elétrica. Todo o sistema do capitalismo e do governo é mobilizado para esmagar qualquer sintoma de insatisfação e rebelião; sim, até mesmo qualquer tentativa de melhorar sua condição como trabalhador. Porque seus mestres compreendem bem a situação e sabem do perigo de você despertar para os fatos reais, para sua verdadeira condição de escravo. Eles estão cientes de seus interesses, dos interesses de sua classe. Eles têm consciência de classe, enquanto os trabalhadores permanecem confusos e iludidos.

Os senhores industriais sabem que é vantajoso para eles mantê-lo desorganizado e desunido, ou destruir seus sindicatos quando eles se tornam fortes e combativos. De todas as maneiras possíveis, eles se opõem a cada avanço seu como trabalhador consciente de classe. Eles odeiam e combatem com unhas e dentes todo movimento que vise melhorar a condição do trabalho. Preferem gastar milhões em educação e propaganda que garantam a continuidade de seu domínio, em vez de melhorar suas condições de vida como trabalhador. Não pouparão despesas nem esforços para sufocar qualquer pensamento ou ideia que possa reduzir seus lucros ou ameaçar seu domínio sobre você.

É por essa razão que eles tentam esmagar toda aspiração dos trabalhadores por melhores condições. Considere, por exemplo, o movimento pela jornada de oito horas. Trata-se de história relativamente recente, e provavelmente você se lembra da amargura e determinação com que os patrões se opuseram a esse esforço dos trabalhadores. Em algumas indústrias na América e na maioria dos países europeus, a luta ainda continua. Nos Estados Unidos, ela começou em 1886, e foi combatida pelos patrões com a maior brutalidade, a fim de forçar os trabalhadores a voltarem às fábricas nas antigas condições. Eles recorreram a lockouts, jogando milhares no desemprego, a violência de capangas e agentes da Pinkerton contra assembleias de trabalhadores e seus membros ativos, à destruição de sedes sindicais e locais de reunião.

Onde estava a ‘lei e ordem’? De que lado da luta estava o governo? O que fizeram os tribunais e os juízes? Onde estava a justiça?

As autoridades locais, estaduais e federais utilizaram toda a máquina e poder ao seu dispor para ajudar os patrões. Nem sequer hesitaram diante do assassinato. Os líderes mais ativos e capazes do movimento pagaram com suas vidas pela tentativa dos trabalhadores de reduzir suas horas de labuta.

Muitos livros foram escritos sobre essa luta, de modo que é desnecessário entrar em detalhes. Mas um breve resumo desses eventos refrescará a memória do leitor.

O movimento pela jornada de trabalho de oito horas começou em Chicago, no dia 1º de maio de 1886, espalhando-se gradualmente por todo o país. Seu início foi marcado por greves declaradas na maioria dos grandes centros industriais. Vinte e cinco mil trabalhadores cruzaram os braços em Chicago no primeiro dia da greve, e em dois dias esse número dobrou. No dia 4 de maio, quase toda a mão de obra sindicalizada da cidade estava em greve.

O punho armado da lei imediatamente correu em socorro dos patrões. A imprensa capitalista vociferava contra os grevistas e clamava pelo uso de chumbo contra eles. Seguiram-se imediatamente ataques da polícia contra as reuniões dos grevistas. O ataque mais brutal ocorreu nas instalações da McCormick, onde as condições de trabalho eram tão insuportáveis que os homens foram forçados a entrar em greve já em fevereiro. Nesse local, a polícia e os agentes da Pinkerton dispararam deliberadamente uma saraivada contra os trabalhadores reunidos, matando quatro e ferindo dezenas de outros.

Para protestar contra esse ultraje, foi convocada uma reunião na Praça Haymarket, em 4 de maio de 1886.

Era uma reunião ordeira, como as que aconteciam diariamente em Chicago na época. O prefeito da cidade, Carter Harrison, estava presente; ele ouviu vários discursos e então — segundo seu próprio testemunho sob juramento mais tarde no tribunal — retornou à sede da polícia para informar ao chefe de polícia que a reunião estava em ordem. Já era tarde — cerca de dez horas da noite, nuvens pesadas cobriam o céu; parecia que ia chover. O público começou a dispersar-se até restarem apenas cerca de duzentas pessoas. Então, de repente, um destacamento de cem policiais avançou sobre o local, comandado pelo inspetor de polícia Bonfield. Eles pararam ao lado do carro de onde Samuel Fielden se dirigia ao restante da audiência. O inspetor ordenou que a reunião se dispersasse. Fielden respondeu: ‘Esta é uma assembleia pacífica.’ Sem mais advertências, a polícia atirou-se sobre o povo, espancando homens e mulheres sem piedade. Nesse momento, algo zuniu pelo ar. Houve uma explosão, como a de uma bomba. Sete policiais foram mortos e cerca de sessenta ficaram feridos.

Nunca foi descoberto quem lançou a bomba, e até hoje a identidade do responsável não foi estabelecida.

Havia tanta brutalidade por parte da polícia e dos agentes da Pinkerton contra os grevistas que não era surpreendente que alguém expressasse seu protesto com tal ato. Quem foi? Os senhores industriais de Chicago não estavam interessados nesse detalhe. Eles estavam determinados a esmagar o trabalho rebelde, derrotar o movimento pela jornada de oito horas e silenciar a voz dos porta-vozes dos trabalhadores. Declararam abertamente sua intenção de ‘dar uma lição aos homens’.

Entre os líderes mais ativos e inteligentes do movimento trabalhista da época estava Albert Parsons, um homem de ascendência americana antiga, cujos antepassados haviam lutado na Revolução Americana. Associados a ele na agitação pela jornada de trabalho reduzida estavam August Spies, Adolf Fischer, George Engel e Louis Lingg. Os interesses financeiros de Chicago e do Estado de Illinois decidiram ‘pegá-los’. Seu objetivo era punir e aterrorizar o trabalho assassinando seus líderes mais devotados. O julgamento desses homens foi a mais infernal conspiração do capital contra o trabalho na história da América. Depoimentos falsos, jurados subornados e vingança policial combinaram-se para levá-los à condenação.

Parsons, Spies, Fischer, Engel e Lingg foram condenados à morte, sendo que Lingg cometeu suicídio na prisão; Samuel Fielden e Michael Schwab foram sentenciados à prisão perpétua, enquanto Oscar Neebe recebeu quinze anos. Nenhuma paródia de justiça maior foi jamais encenada do que o julgamento desses homens conhecidos como os Anarquistas de Chicago.

O tamanho do ultraje jurídico pode ser julgado pela ação de John P. Altgeld, posteriormente governador de Illinois, que revisou cuidadosamente os autos do julgamento e declarou que os executados e os encarcerados haviam sido vítimas de um complô dos fabricantes, dos tribunais e da polícia. Ele não pôde desfazer os assassinatos judiciais, mas, com grande coragem, libertou os anarquistas ainda presos, afirmando que estava apenas reparando, tanto quanto podia, o terrível crime cometido contra eles.

A vingança dos exploradores foi tão longe que puniram Altgeld por sua posição corajosa, eliminando-o da vida política dos Estados Unidos.

A tragédia de Haymarket, como o caso é conhecido, é uma ilustração marcante do tipo de ‘justiça’ que o trabalho pode esperar dos patrões. É uma demonstração de seu caráter de classe e dos meios a que o capital e o governo recorrerão para esmagar os trabalhadores.

A história do movimento trabalhista americano está repleta de exemplos semelhantes. Não está no escopo deste livro revisar o grande número deles. Eles são abordados em vários livros e publicações, às quais remeto o leitor para um conhecimento mais aprofundado do Gólgota do proletariado americano. Em menor escala, os assassinatos judiciais de Chicago se repetem em toda luta dos trabalhadores. Basta mencionar as greves dos mineiros no Estado do Colorado, com seu capítulo demoníaco em Ludlow, onde a milícia estadual deliberadamente atirou nas barracas dos trabalhadores, incendiando-as e causando a morte de vários homens, mulheres e crianças; o assassinato de grevistas nos campos de lúpulo de Wheatland, Califórnia, no verão de 1913; em Everett, Washington, em 1916; em Tulsa, Oklahoma; na Virgínia e no Kansas; nas minas de cobre de Montana; e em inúmeros outros lugares pelo país.

Nada desperta tanto o ódio e a vingança dos patrões como o esforço para iluminar suas vítimas. Isso é tão verdadeiro hoje quanto era na época da escravidão e do feudalismo. Vimos como a igreja perseguiu e martirizou seus críticos e combateu todo avanço científico como uma ameaça à sua autoridade e influência. Da mesma forma, todo déspota sempre procurou silenciar a voz do protesto e da rebelião. No mesmo espírito, o capital e o governo de hoje atacam ferozmente e destroem todos aqueles que ousam abalar as fundações de seu poder e interesses.

Tomemos dois casos recentes como exemplo dessa atitude inalterável da autoridade e da propriedade: o caso Mooney-Billings e o de Sacco e Vanzetti. Um ocorreu no Leste, o outro no Oeste, separados por uma década e pela largura de todo o continente. No entanto, foram exatamente iguais, provando que não há Leste nem Oeste, nem qualquer diferença de tempo ou lugar no tratamento dos patrões para com seus escravos.

Mooney e Billings estão presos na Califórnia para o resto da vida. Por quê? Se eu tivesse que responder em poucas palavras, diria, com absoluta verdade e precisão: porque eram homens sindicalistas inteligentes que tentaram conscientizar seus companheiros de trabalho e melhorar sua condição.

Foi apenas isso, e nenhuma outra razão, que os condenou. A Câmara de Comércio de San Francisco, o poder financeiro da Califórnia, não podia tolerar a atividade de dois homens tão enérgicos e combativos. O trabalho em San Francisco estava ficando inquieto, greves estavam acontecendo e os trabalhadores começavam a reivindicar uma fatia maior da riqueza que produziam.

Os magnatas industriais da costa declararam guerra ao trabalho organizado. Proclamaram o ‘open shop’ (loja aberta) e sua determinação de quebrar os sindicatos. Esse foi o passo preliminar para colocar os trabalhadores em uma posição de impotência e depois reduzir seus salários. Seu ódio e perseguição foram dirigidos, em primeiro lugar, contra os membros mais ativos do trabalho.

Tom Mooney havia organizado os motorneiros de bondes de San Francisco, um crime pelo qual a empresa de transportes jamais o perdoou. Mooney, junto com Warren Billings e outros trabalhadores, também esteve ativo em várias greves. Eram conhecidos e admirados por sua dedicação à causa sindical. Isso bastava para que os empregadores e a Câmara de Comércio de San Francisco tentassem se livrar deles. Em várias ocasiões, eles foram presos com acusações forjadas por agentes das companhias de transporte e outras corporações. Mas os casos contra eles eram tão frágeis que tiveram de ser arquivados. A Câmara de Comércio aguardava a oportunidade de ‘pegar’ esses dois líderes operários, como seus agentes ameaçaram abertamente fazer.

A oportunidade surgiu com a explosão durante o Desfile da Preparação em San Francisco, em 22 de julho de 1916. Os sindicatos trabalhistas da cidade haviam decidido não participar do desfile, pois este era meramente uma demonstração de força do capital californiano contra o trabalho organizado, que a Câmara de Comércio havia se proposto a esmagar. A ‘loja aberta’ era sua política proclamada abertamente, e não escondia sua determinada e amarga hostilidade aos sindicatos.

Nunca foi descoberto quem colocou o artefato explosivo que detonou durante o desfile, mas a polícia de San Francisco nunca fez qualquer esforço sério para encontrar o responsável ou os responsáveis. Imediatamente após o trágico ocorrido, Thomas Mooney e sua esposa Rena foram presos, assim como Warren Billings, Edward D. Nolan, membro do sindicato dos maquinistas, e I. Weinberg, do sindicato dos motoristas de lotação.

O julgamento de Billings e Mooney revelou-se um dos piores escândalos da história dos tribunais americanos.

As testemunhas do Estado eram perjuradoras confessas, subornadas e ameaçadas pela polícia para prestar falsos testemunhos. Provas que demonstravam completamente a inocência de Mooney e Billings foram ignoradas. Mooney foi acusado de ter colocado o artefato explosivo exatamente no momento em que ele estava na companhia de amigos no telhado de uma casa a cerca de dois quilômetros e meio do local da explosão. Uma fotografia tirada durante o desfile por uma empresa de cinema mostra claramente Mooney no telhado, com, ao fundo, um relógio de rua indicando o horário de 14h02. A explosão ocorreu às 14h06, tornando fisicamente impossível que Mooney estivesse em ambos os lugares quase ao mesmo tempo.

Mas não era uma questão de provas, de culpa ou inocência. Tom Mooney era odiado pelos interesses constituídos de San Francisco. Precisavam tirá-lo do caminho. Mooney e Billings foram condenados, o primeiro à morte, o segundo à prisão perpétua.

A maneira escandalosa como o julgamento foi conduzido, o evidente perjúrio das testemunhas do Estado e a clara intervenção dos fabricantes por trás da acusação revoltaram o país. O caso foi, por fim, levado ao Congresso. Este aprovou uma resolução ordenando que o Departamento do Trabalho investigasse o caso. O relatório do comissário John B. Densmore, enviado a San Francisco para tal finalidade, expôs a conspiração para enforcar Mooney como um dos métodos da Câmara de Comércio para destruir o trabalho organizado na Califórnia.

Desde então, a maioria das testemunhas do Estado, frustradas por não receberem as recompensas prometidas, confessaram ter cometido perjúrio a mando de Charles M. Fickert, então promotor público de San Francisco e conhecido instrumento da Câmara de Comércio. Draper Hand e R. W. Smith, funcionários da polícia da cidade, declararam em depoimentos juramentados que todas as provas contra Mooney e Billings foram fabricadas do começo ao fim pelo promotor público e suas testemunhas subornadas recrutadas entre os estratos mais baixos da sociedade da costa.

O caso Mooney-Billings atraiu atenção nacional e até internacional. O presidente Wilson sentiu-se impelido a enviar dois telegramas ao governador da Califórnia pedindo a revisão do caso. A sentença de morte de Mooney foi comutada para prisão perpétua, mas nenhum esforço conseguiu garantir-lhe um novo julgamento. O poder financeiro da Califórnia estava decidido a manter Mooney e Billings no presídio. A Suprema Corte do Estado, obediente à Câmara de Comércio, recusou-se firmemente, com base em tecnicalidades, a revisar o testemunho do julgamento, cujo caráter fraudulento se tornara um provérbio na Califórnia.

Desde então, todos os jurados sobreviventes declararam que, se conhecessem os fatos verdadeiros durante o julgamento, jamais teriam condenado Mooney. Até o juiz Fraser, que presidiu o julgamento, pediu o perdão de Mooney, pelos mesmos motivos.

Apesar disso, Tom Mooney e Warren Billings ainda permanecem no presídio. A Câmara de Comércio da Califórnia está determinada a mantê-los lá, e seu poder é supremo sobre os tribunais e o governo.

Você ainda pode falar de justiça? Acredita que a justiça para o trabalho seja possível sob o reinado do capitalismo?

O assassinato judicial dos anarquistas de Chicago ocorreu há muitos anos, em 1887. Também já se passou bastante tempo desde o caso Mooney-Billings, em 1916–1917. Além disso, este último aconteceu muito longe, na Costa do Pacífico, em um período de histeria de guerra. Você poderia dizer que tal injustiça flagrante só poderia ocorrer naqueles dias; dificilmente poderia ser repetida hoje.

Então mudemos a cena para nossos dias, para o próprio coração da América, o orgulhoso centro da cultura — para Boston, Massachusetts.

Basta mencionar Boston para evocar a imagem de dois proletários, Nicola Sacco e Bartolomeo Vanzetti, um humilde sapateiro, o outro vendedor ambulante de peixes, cujos nomes hoje são conhecidos e honrados em todos os países civilizados do mundo.

Mártires da humanidade, se é que já existiram; dois homens que deram suas vidas por devoção à humanidade, por lealdade ao ideal de uma classe trabalhadora emancipada e livre. Dois inocentes que bravamente suportaram tortura durante sete longos anos e que morreram de morte terrível com uma serenidade de espírito raramente igualada pelos maiores mártires de todos os tempos.

A história desse assassinato judicial de dois dos homens mais nobres, o crime de Massachusetts que não será esquecido nem perdoado enquanto o Estado existir, é tão recente na memória de todos que não necessita ser recontada aqui.

Mas por que Sacco e Vanzetti tiveram que morrer? Essa pergunta é da maior importância; está diretamente ligada às questões em jogo.

Você acha que, se Sacco e Vanzetti fossem apenas dois criminosos comuns, como a acusação tentou fazê-lo acreditar, haveria tamanha determinação implacável em executá-los diante dos apelos, súplicas e protestos do mundo inteiro?

Ou, se fossem plutocratas realmente culpados de assassinato, sem outras questões envolvidas, eles teriam sido executados? Teriam sido negados todos os apelos às cortes superiores do Estado, a Suprema Corte Federal teria recusado considerar o caso?

Você já ouviu falar de algum ricaço que matou um homem, ou dos filhos de pais abastados encontrados culpados de assassinato em primeiro grau. Mas pode nomear um só deles que tenha sido executado nos Estados Unidos? Ou sequer encontrar muitos deles na prisão? A lei não encontra sempre desculpas como ‘excitação mental’, ‘tempestade cerebral’, ou ‘irresponsabilidade legal’ em casos de ricos condenados por crimes?

Mas mesmo que Sacco e Vanzetti tivessem sido criminosos comuns condenados à morte, os apelos de homens proeminentes de todas as áreas da vida, de sociedades de caridade e de centenas de milhares de amigos e simpatizantes não teriam assegurado a clemência para eles? A dúvida sobre sua culpa, expressa pelas mais altas autoridades jurídicas, não teria resultado em um novo julgamento, numa revisão do antigo testemunho e na consideração de novas provas em seu favor?

Por que tudo isso foi negado a Sacco e Vanzetti? Por que a ‘lei e a ordem’, desde a polícia local e os detetives federais até o juiz do julgamento, assumidamente parcial, passando pela Suprema Corte do Estado, o governador, e culminando na Suprema Corte Federal, mostraram tal determinação em enviá-los para a cadeira elétrica?

Porque Sacco e Vanzetti eram perigosos para os interesses do capital. Esses homens vocalizavam a insatisfação dos trabalhadores com sua condição de servidão. Eles expressavam conscientemente o que os trabalhadores sentem, na maioria das vezes, inconscientemente. Foi porque eram conscientes de classe, anarquistas, que representaram uma ameaça maior à segurança do capitalismo do que um exército inteiro de grevistas inconscientes dos verdadeiros objetivos da luta de classes. Os patrões sabem que, quando você faz greve, exige apenas salário mais alto ou menos horas de trabalho. Mas a luta consciente de classe do trabalho contra o capital é uma questão muito mais séria; ela significa a abolição total do sistema de salários e a libertação do trabalho da dominação do capital. Você pode então entender por que os patrões viram um perigo maior em homens como Sacco e Vanzetti do que na maior das greves visando apenas melhorias dentro do capitalismo.

Sacco e Vanzetti ameaçavam toda a estrutura do capitalismo e do governo. Não aqueles dois pobres proletários como indivíduos. Não; mas sim o que esses dois homens representavam — o espírito de rebelião consciente contra as condições existentes de exploração e opressão.

Foi esse espírito que o capital e o governo pretendiam matar na pessoa daqueles homens. Matar esse espírito e o movimento pela emancipação do trabalho, infundindo terror no coração de todos os que pensassem e sentissem como Sacco e Vanzetti; fazer desses dois homens um exemplo para intimidar os trabalhadores e afastá-los do movimento proletário.

É por isso que nem os tribunais nem o governo de Massachusetts puderam ser induzidos a conceder um novo julgamento a Sacco e Vanzetti. Temia-se que, num ambiente de senso público de justiça despertado, eles fossem absolvidos; temia-se que o complô para assassiná-los fosse exposto. Foi por isso que os juízes da Suprema Corte Federal se recusaram a ouvir o caso, assim como os juízes da Suprema Corte de Massachusetts recusaram um novo julgamento apesar das novas e importantes provas. Por essa mesma razão, também, o presidente dos Estados Unidos não interveio no caso, embora fosse não apenas seu dever moral, mas também legal, fazê-lo. Seu dever moral, em nome da justiça; seu dever legal porque, como presidente, jurara defender a Constituição, que garante a todos um julgamento justo — julgamento que Sacco e Vanzetti não tiveram.

O presidente Coolidge tinha precedentes suficientes para intervir em nome da justiça, notavelmente o exemplo de Woodrow Wilson no caso de Mooney. Mas Coolidge não teve coragem para tanto, sendo completamente submisso aos Grandes Interesses. Sem dúvida, o caso de Sacco e Vanzetti foi considerado ainda mais importante e significativo em termos de classe do que o de Mooney. De qualquer modo, capital e governo concordaram em sua decisão de apoiar a qualquer custo os tribunais de Massachusetts e sacrificar Nicola Sacco e Bartolomeo Vanzetti.

Os patrões estavam determinados a sustentar a lenda da ‘justiça nos tribunais’, porque todo o seu poder repousa sobre a crença popular nessa justiça. Não se reivindica a infalibilidade dos juízes. Se fosse essa a atitude, não haveria recurso contra decisões judiciais, não existiriam cortes superiores ou supremas. A falibilidade da Justiça é admitida, mas o fato de que os tribunais e todas as instituições governamentais existem apenas para sustentar o domínio dos patrões sobre seus escravos do trabalho — de que sua justiça é apenas justiça de classeisso não poderia ser admitido nem por um instante. Porque, se o povo descobrisse isso, capitalismo e governo estariam condenados. Exatamente por isso nenhuma revisão imparcial das provas do caso Sacco e Vanzetti pôde ser permitida, nenhum novo julgamento concedido, pois tal processo teria exposto os motivos e objetivos por trás da acusação.

Portanto, não houve recurso nem novo julgamento — apenas uma audiência secreta a portas fechadas na mansão do governador, conduzida por homens cuja lealdade à classe dominante estava acima de qualquer suspeita; homens que, por toda sua formação e educação, por sua tradição e interesses, estavam obrigados a sustentar os tribunais e limpar o veredicto de Sacco e Vanzetti de qualquer acusação de justiça de classe. Por isso Sacco e Vanzetti tiveram que morrer.

O governador Fuller, de Massachusetts, pronunciou a palavra final da sua condenação. Havia, até o último momento, milhares que esperavam que o governador recuasse de cometer esse assassinato a sangue frio. Mas eles não sabiam ou haviam esquecido que, anos antes, em 1919, o mesmo Fuller havia declarado no Congresso que todo ‘radical, socialista, I.W.W. ou anarquista deveria ser exterminado’; ou seja, que aqueles que buscavam libertar o trabalho deveriam ser assassinados. Você poderia esperar razoavelmente que tal homem fizesse justiça a Sacco e Vanzetti, dois anarquistas declarados?

O governador Fuller agiu de acordo com seus sentimentos, em consonância com sua atitude e interesses como membro da classe dominante, de maneira plenamente consciente de classe. Assim também agiram o juiz Thayer e todos os envolvidos na acusação, bem como os ‘respeitáveis cavalheiros’ da comissão nomeada por Fuller para ‘revisar’ o caso em sessão secreta. Todos eles conscientes de sua classe, interessados apenas em sustentar a ‘justiça’ capitalista, a fim de preservar a ‘lei e a ordem’ da qual vivem e lucram.

Existe justiça para o trabalho dentro do capitalismo e do governo? Pode haver alguma enquanto o sistema atual existir? Decida você mesmo.

Os casos que citei são apenas alguns dos inúmeros conflitos entre o trabalho americano e o capital. O mesmo pode ser encontrado em todo país. Eles demonstram claramente o fato de que:

  • há apenas justiça de classe na guerra do capital contra o trabalho; não pode haver justiça para o trabalho sob o capitalismo;
  • a lei e o governo, bem como todas as outras instituições capitalistas (a imprensa, a escola, a igreja, a polícia e os tribunais) estão sempre a serviço do capital contra o trabalho, independentemente dos méritos de qualquer caso. Capital e governo são gêmeos com um interesse comum;
  • capital e governo usarão todos os meios para manter o proletariado submisso: eles aterrorizarão a classe trabalhadora e assassinarão impiedosamente seus membros mais inteligentes e devotados.

Não pode ser de outra maneira, porque há uma luta de vida ou morte entre o capital e o trabalho.

Cada vez que o capital e sua serva, a lei, enforcam homens como os Anarquistas de Chicago ou eletrocutam os Sacco e Vanzetti, eles proclamam ter ‘libertado a sociedade de uma ameaça’. Querem que você acredite que os executados eram seus inimigos, inimigos da sociedade. Também querem que você acredite que a morte deles resolveu a questão, que a justiça capitalista foi confirmada e que a ‘lei e a ordem’ triunfaram. Mas a questão não está resolvida, e a vitória dos patrões é apenas temporária. A luta continua, como continuou ao longo de toda a história da humanidade, ao longo da marcha do trabalho e da liberdade. Nenhuma questão está resolvida a menos que seja resolvida corretamente. Você não pode suprimir o anseio natural do coração humano por liberdade e bem-estar, por mais que os governos recorram ao terror e ao assassinato. Você não pode sufocar a demanda dos trabalhadores por melhores condições. A luta continua e continuará, apesar de tudo o que a lei, o governo e o capital possam fazer. Mas, para que os trabalhadores não desperdicem suas energias e esforços na direção errada, eles devem compreender claramente que não podem esperar justiça dos tribunais, da lei e do governo, assim como não podem esperar que seus senhores abolam a escravidão do trabalho.

‘O que deve ser feito, então?’, você pergunta. ‘Como os trabalhadores obterão justiça?’

Navegação<< Capítulo 7 — Igreja e escolaCapítulo 9 — A igreja pode ajudá-lo? >>

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *