Quando você faz essa pergunta, o Socialista lhe responde:
“Vote na legenda socialista. Eleja nosso partido. Aboliremos o capitalismo e estabeleceremos o Socialismo.”
O que o Socialista quer, e como ele propõe conseguir isso?
Existem muitas variedades de Socialistas. Há os Social-Democratas, os Socialistas Fabianos, os Socialistas Nacionais, os Socialistas Cristãos e outros rótulos. De modo geral, todos acreditam na abolição da pobreza e das condições sociais injustas. Mas divergem bastante quanto ao que seriam condições “justas” e, mais ainda, sobre como alcançá-las.
Hoje em dia, até mesmo meras tentativas de melhorar o capitalismo são frequentemente chamadas de “Socialismo”, quando na verdade são apenas reformas. Mas tais reformas não podem ser consideradas socialistas, porque o verdadeiro Socialismo não visa “melhorar” o capitalismo, mas aboli-lo completamente. O Socialismo ensina que as condições de trabalho não podem ser essencialmente melhoradas sob o capitalismo; ao contrário, mostra que a situação do trabalhador tende a piorar continuamente com o avanço do industrialismo, de modo que os esforços para “reformar” e “melhorar” o capitalismo se opõem diretamente ao Socialismo e apenas atrasam sua realização.
Vimos em capítulos anteriores que a escravidão dos trabalhadores, a desigualdade, a injustiça e outros males sociais são resultado do monopólio e da exploração, e que o sistema é mantido pela máquina política chamada governo. Portanto, não teria utilidade discutir aquelas correntes do Socialismo (impropriamente assim chamadas) que não defendem a abolição do capitalismo e da escravidão assalariada. Seria igualmente inútil analisarmos propostas supostamente socialistas como “distribuição mais justa da riqueza”, “igualdade de renda”, “imposto único” ou outros planos semelhantes. Isso não é Socialismo; são apenas reformas. O chamado Socialismo de salão, como o Fabianismo, por exemplo, também não tem interesse vital para as massas.
Examinemos, então, aquela escola do Socialismo que trata do capitalismo e do sistema salarial de forma fundamental, que lida com o trabalhador, com os deserdados, e que é conhecida como o movimento Social-Democrata.[2] Ela considera todas as outras formas de Socialismo como impraticáveis e utópicas; chama a si mesma de única teoria sólida e científica do verdadeiro Socialismo, conforme formulado por Karl Marx, o autor de O Capital, que é o evangelho e guia de todos os Social-Democratas.
Então, o que propõem os Socialistas seguidores de Karl Marx — conhecidos como Socialistas Marxistas, e que, para fins de brevidade, chamaremos simplesmente de Socialistas?
Eles dizem que os trabalhadores jamais poderão ser livres e alcançar o bem-estar enquanto não abolirem o capitalismo. As fontes de produção e os meios de distribuição devem ser retirados das mãos privadas, ensinam eles. Ou seja, a terra, as máquinas, moinhos, fábricas, minas, ferrovias e outros serviços públicos não devem ser de propriedade privada, pois tal posse escraviza os trabalhadores e a humanidade em geral. A posse privada das coisas sem as quais a humanidade não pode existir deve, portanto, cessar. Os meios de produção e distribuição devem tornar-se propriedade pública. A oportunidade de uso livre acabaria com o monopólio, com os juros e lucros, com a exploração e a escravidão assalariada. A desigualdade e a injustiça sociais seriam eliminadas, as classes seriam abolidas, e todos os homens se tornariam livres e iguais.
Essas visões do Socialismo estão também em total acordo com as ideias da maioria dos Anarquistas.
Os atuais proprietários — ensina ainda o Socialismo — não abrirão mão de suas posses sem uma luta. Toda a história e a experiência passada provam isso. As classes privilegiadas sempre mantiveram suas vantagens, sempre se opuseram a qualquer tentativa de enfraquecer seu poder sobre as massas. Mesmo hoje, lutam impiedosamente contra qualquer esforço dos trabalhadores por melhorias. É, portanto, certo que, no futuro, como no passado, a plutocracia resistirá se você tentar privá-la de seus monopólios, direitos especiais e privilégios. Essa resistência provocará uma luta amarga, uma revolução.
O verdadeiro socialismo é, portanto, radical e revolucionário. Radical, porque vai à raiz dos problemas sociais (radix significa raiz em latim); não acredita em reformas ou paliativos; quer mudar as coisas desde a base. Revolucionário, não porque deseje derramamento de sangue, mas porque prevê claramente que a revolução é inevitável; sabe que o capitalismo não pode ser transformado em Socialismo sem uma luta violenta entre as classes possuidoras e as massas despossuídas.
“Mas se haverá uma revolução”, você pergunta, “então por que os Socialistas querem que eu os eleja para cargos públicos? A revolução será travada a partir do governo?”
Sua pergunta é pertinente. Se o capitalismo deve ser abolido por meio da revolução, por que os Socialistas buscam cargos públicos, por que tentam entrar no governo?
É justamente aí que reside a grande contradição do Socialismo Marxista, uma contradição fundamental que tem sido fatal ao movimento Socialista em todos os países e que o tornou ineficaz e impotente para ser útil à classe trabalhadora.
É muito importante compreender claramente essa contradição para entender por que o Socialismo fracassou, por que os Socialistas entraram num beco sem saída e não conseguem conduzir os trabalhadores à emancipação.
Qual é essa contradição? É a seguinte: Marx ensinou que “a revolução é a parteira do capitalismo grávido de uma nova sociedade”; ou seja, que o capitalismo não será transformado em Socialismo senão por meio da revolução. Mas, em seu Manifesto Comunista, por outro lado, Marx insiste que o proletariado deve se apossar da máquina política, do governo, a fim de conquistar a burguesia. A classe trabalhadora — ensina ele — deve tomar as rédeas do Estado, por meio dos partidos socialistas, e usar o poder político para inaugurar o Socialismo.
Essa contradição tem causado grande confusão entre os Socialistas e dividido o movimento em muitas facções. A maioria delas, os partidos socialistas regulares de cada país, agora defendem a conquista do poder político, para o estabelecimento de um governo socialista cuja missão será abolir o capitalismo e instaurar o Socialismo.
Julgue você mesmo se tal coisa é possível. Em primeiro lugar, os próprios Socialistas admitem que as classes possuidoras não abrirão mão de sua riqueza e privilégios sem uma luta amarga e que isso resultará em revolução.
Além disso, tal coisa é prática? Vejamos os Estados Unidos, por exemplo. Há mais de cinquenta anos os Socialistas vêm tentando eleger membros do partido para o Congresso, com o resultado de que, após meio século de atuação política, atualmente possuem apenas um membro na Câmara dos Representantes em Washington. Quantos séculos levará nesse ritmo (e o ritmo está diminuindo, não aumentando) para se obter uma maioria socialista no Congresso?
Mas mesmo supondo que os Socialistas consigam algum dia garantir essa maioria. Eles então conseguirão transformar o capitalismo em Socialismo? Seria necessário alterar a Constituição dos Estados Unidos, assim como a dos Estados individuais, para o que se exige uma votação de dois terços. Pare e pense: os plutocratas americanos, os trustes, a burguesia e todas as outras forças que se beneficiam do capitalismo — ficariam simplesmente parados e permitiriam que a Constituição fosse alterada de forma a privá-los de sua riqueza e privilégios? Você consegue acreditar nisso? Lembra-se do que Jay Gould disse quando foi acusado de obter seus milhões ilegalmente e em desafio à Constituição? “Que se dane a Constituição!”, respondeu ele. E é assim que todo plutocrata se sente, mesmo que não seja tão franco quanto Gould. Com ou sem Constituição, os capitalistas lutariam até a morte por sua riqueza e privilégios. E é exatamente isso que se entende por revolução. Você pode julgar por si mesmo se o capitalismo pode ser abolido elegendo Socialistas para cargos públicos ou se o Socialismo pode ser implementado pelo voto. Não é difícil adivinhar quem vencerá uma disputa entre votos e balas.
Antigamente, os Socialistas compreendiam isso muito bem. Naquela época, alegavam que pretendiam usar a política apenas como meio de propaganda. Isso acontecia nos tempos em que a agitação socialista era proibida, particularmente na Alemanha. “Se vocês nos elegerem para o Reichstag” (o parlamento alemão), diziam então os Socialistas aos trabalhadores, “poderemos pregar o Socialismo lá e educar o povo sobre ele.” Havia alguma lógica nisso, porque as leis que proibiam discursos socialistas não se aplicavam ao Reichstag. Assim, os Socialistas passaram a favorecer a atividade política e participar das eleições para ter a oportunidade de defender o Socialismo.
Pode parecer algo inofensivo, mas provou ser a ruína do Socialismo. Porque nada é mais verdadeiro do que o fato de que os meios utilizados para alcançar um objetivo acabam se tornando o próprio objetivo. O dinheiro, por exemplo, que é apenas um meio de existência, tornou-se o fim da nossa vida. O mesmo ocorre com o governo. O “ancião” escolhido pela comunidade primitiva para cuidar de algum assunto da aldeia torna-se o mestre, o governante. Foi exatamente isso o que aconteceu com os Socialistas.
Aos poucos, eles mudaram de postura. Em vez de a eleição ser apenas um método educativo, tornou-se gradualmente o único objetivo: conquistar cargos políticos, ser eleito para corpos legislativos e outras posições de governo. Essa mudança naturalmente levou os Socialistas a amenizarem seu fervor revolucionário; forçou-os a suavizar suas críticas ao capitalismo e ao governo para evitar perseguições e garantir mais votos. Hoje em dia, o foco principal da propaganda socialista não está mais no valor educativo da política, mas na eleição efetiva de Socialistas para cargos públicos.
Os partidos Socialistas já não falam mais de revolução. Agora afirmam que, ao obterem maioria no Congresso ou no Parlamento, legislarão para instaurar o Socialismo: abolirão legal e pacificamente o capitalismo. Em outras palavras, deixaram de ser revolucionários; tornaram-se reformistas que desejam mudar as coisas por meio da lei.
Vejamos, então, como têm feito isso nas últimas décadas.
Em quase todos os países europeus, os Socialistas conquistaram grande poder político. Alguns países hoje têm governos socialistas, em outros os partidos socialistas têm maioria; em outros ainda, os Socialistas ocupam os cargos mais altos do Estado, como ministérios, inclusive o de Primeiro-Ministro. Examinemos o que realizaram em favor do Socialismo e o que estão fazendo pelos trabalhadores.
Na Alemanha, berço do movimento socialista, o Partido Social-Democrata ocupa inúmeros cargos governamentais; seus membros estão nos corpos legislativos municipais e nacionais, no judiciário e no Gabinete. Dois presidentes alemães, Haase e Ebert, foram socialistas. O atual Reichskanzler (chanceler), Dr. Herman Müller, é socialista. Herr Loebe, presidente do Reichstag, também é membro do Partido Socialista. Scheidemann, Noske e dezenas de outros ocupando os cargos mais altos no governo, no exército e na marinha, são todos líderes do poderoso Partido Social-Democrata alemão. O que fizeram eles pelo proletariado, cuja causa o Partido supostamente defende? Implantaram o Socialismo? Aboliram a escravidão salarial? Fizeram ao menos uma tentativa nesse sentido?
A insurreição dos trabalhadores na Alemanha, em 1918, forçou o Kaiser a fugir do país, e o reinado dos Hohenzollern chegou ao fim. O povo confiou nos Social-Democratas e os elegeu ao poder. Mas, uma vez no governo, os Socialistas se voltaram contra as massas. Aliaram-se à burguesia alemã e à cúpula militar, e tornaram-se eles próprios o principal sustentáculo do capitalismo e do militarismo. Não apenas desarmaram o povo e reprimiram os trabalhadores, como também prenderam e fuzilaram todo socialista que ousasse protestar contra sua traição. Noske, como chefe socialista do exército durante a Revolução, ordenou que seus soldados atacassem os trabalhadores e os massacrou em massa — os mesmos proletários que o haviam eleito, seus próprios companheiros socialistas. Por suas mãos pereceram Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo, dois dos mais devotados e leais revolucionários, friamente assassinados em Berlim, em 16 de janeiro de 1919, por oficiais do exército, com a conivência secreta do governo socialista. O poeta e pensador anarquista Gustav Landauer, e dezenas dos melhores amigos da classe trabalhadora, tiveram o mesmo destino por toda a Alemanha.
Haase, Ebert, Scheidemann, Noske e seus tenentes socialistas não permitiram que a Revolução alcançasse nada de vital. No momento em que chegaram ao poder, usaram-no para esmagar o trabalho rebelde. O assassinato aberto e velado dos verdadeiros elementos revolucionários foi apenas um dos meios utilizados pelo governo socialista para sufocar a Revolução. Longe de introduzir qualquer mudança em benefício dos trabalhadores, o Partido Socialista tornou-se o mais zeloso defensor do capitalismo, preservando todos os privilégios e benefícios da aristocracia e da classe dominante. É por isso que a Revolução Alemã nada realizou, exceto expulsar o Kaiser. A nobreza permaneceu de posse de todos os seus títulos, propriedades, direitos especiais e privilégios; a casta militar manteve o poder que tinha sob a monarquia; a burguesia foi fortalecida, e os reis das finanças e os magnatas da indústria dominam hoje o trabalhador alemão com ainda mais arbitrariedade do que antes. O Partido Socialista da Alemanha, com milhões de votos, teve sucesso — em chegar ao poder. Os trabalhadores continuam a sofrer e a labutar como antes.
O mesmo cenário se encontra em outros países. Na França, o Partido Socialista está fortemente representado no governo. O Ministro das Relações Exteriores, Aristide Briand, que também ocupou o cargo de Primeiro-Ministro, foi anteriormente um dos maiores expoentes do Partido na França. Hoje ele é o mais ferrenho defensor do capitalismo e do militarismo. Muitos de seus antigos companheiros socialistas são seus colegas no governo, e muitos outros socialistas atuais estão no Parlamento francês e em outros cargos importantes. O que estão fazendo pelo Socialismo? O que estão fazendo pelos trabalhadores?
Eles estão ajudando a defender e “estabilizar” o regime capitalista da França; estão ocupados aprovando leis que aumentam os impostos para que os altos funcionários do governo recebam melhores salários; estão empenhados em cobrar a indenização de guerra da Alemanha, cujos trabalhadores, assim como seus irmãos franceses, têm de sangrar por isso. Trabalham arduamente para ajudar a “educar” a França, especialmente suas crianças nas escolas, a odiar o povo alemão; colaboram na construção de mais navios de guerra e aviões militares para a próxima guerra que eles próprios estão preparando, cultivando o espírito de belicismo e vingança contra os países vizinhos. A nova lei que mobiliza todos os homens e mulheres adultos da França em caso de guerra foi introduzida pelo proeminente socialista Paul Boncour e aprovada com o apoio dos membros socialistas da Câmara dos Deputados.
Na Áustria e na Bélgica, na Suécia e na Noruega, na Holanda e na Dinamarca, na Tcheco-Eslováquia e na maioria dos outros países europeus, os Socialistas chegaram ao poder. Em alguns países de forma total, em outros parcialmente. E em todos os lugares, sem uma única exceção, seguiram o mesmo caminho: em toda parte renegaram seus ideais, enganaram as massas e converteram sua ascensão política em proveito e glória próprios.
“Esses homens que chegaram ao poder pelas costas do trabalho e depois traíram os trabalhadores são canalhas”, ouço você dizer com justa indignação. É verdade, mas isso não é tudo. Há uma razão mais profunda para essa traição constante e sistemática, uma causa maior e mais significativa para esse fenômeno quase universal. Os socialistas não são essencialmente diferentes de outros homens. São humanos, como você e eu. E nenhum homem se torna canalha ou traidor da noite para o dia.
É o poder que corrompe. A consciência de que se possui poder é, por si só, o pior veneno que corrói o mais puro metal do homem. A imundície e a contaminação da política em toda parte provam isso suficientemente. Além disso, mesmo com as melhores intenções, os socialistas em corpos legislativos ou em cargos governamentais se veem totalmente impotentes para realizar algo de natureza socialista, algo de real benefício aos trabalhadores. Pois a política não é um meio de melhorar as condições do trabalho. Nunca foi e nunca poderá ser.
A degradação e a corrupção ocorrem pouco a pouco, tão gradualmente que mal se percebe. Visualize por um momento a situação de um socialista eleito para o Congresso, por exemplo. Ele está sozinho, diante de várias centenas de homens de outros partidos políticos. Sente a oposição às suas ideias radicais e encontra-se em um ambiente estranho e hostil. Mas está ali e deve participar dos trabalhos em andamento. A maior parte desses trabalhos — os projetos apresentados, as leis propostas — é totalmente alheia a ele. Nada têm a ver com aquilo em que o socialista acredita, nenhuma conexão com os interesses da classe trabalhadora que o elegeu. Trata-se apenas da rotina legislativa. Somente quando surge um projeto relacionado ao trabalho ou à situação industrial e econômica, é que nosso socialista pode participar das deliberações. Ele o faz — e é ignorado ou ridicularizado por suas ideias “impraticáveis” sobre o assunto. E, de fato, elas são impraticáveis. Mesmo na melhor das hipóteses, quando a proposta não visa diretamente conceder novos privilégios ao monopólio, trata de questões vinculadas ao negócio capitalista, como algum tratado comercial ou acordo entre governos. Mas ele, o socialista, foi eleito com uma plataforma socialista, e sua missão é abolir o governo capitalista, acabar com o sistema de comércio e lucro por completo, então como poderia falar “praticamente” sobre os projetos em pauta? É claro que se torna alvo de chacota dos colegas e logo começa a perceber o quão estúpida e inútil é sua presença nas casas legislativas. É por isso que alguns dos melhores membros do Partido Socialista na Alemanha se voltaram contra a ação política, como fez Johann Most, por exemplo. Mas há poucas pessoas com tamanha honestidade e coragem. Em geral, o socialista permanece em sua posição, e a cada dia é forçado a reconhecer mais e mais o papel insensato que está desempenhando. Passa a sentir que precisa encontrar uma maneira de participar seriamente dos trabalhos, expressar opiniões sólidas nos debates e tornar-se um fator real nas deliberações. Isso é imperativo para preservar sua própria dignidade, conquistar o respeito dos colegas e também mostrar a seus eleitores que não elegeram um mero boneco.
Assim, ele começa a se familiarizar com a rotina. Estuda dragagem de rios e melhorias costeiras, lê sobre dotações orçamentárias, examina os cem e um projetos que surgem para análise e, quando ocasionalmente consegue a palavra — o que não acontece com frequência — tenta explicar o projeto de lei sob o ponto de vista socialista, como é seu dever fazer. Ele “faz um discurso socialista”. Discursa sobre o sofrimento dos trabalhadores e os crimes da escravidão salarial; informa seus colegas de que o capitalismo é um mal, que os ricos devem ser abolidos e que todo o sistema precisa ser destruído. Conclui sua peroração e senta-se. Os políticos trocam olhares, sorriem e fazem piadas, e a assembleia retorna aos trabalhos do momento.
Nosso socialista percebe que está sendo considerado uma piada. Seus colegas estão se cansando de seu “blá-blá-blá” e ele encontra cada vez mais dificuldade para conseguir a palavra. Frequentemente é advertido e informado de que deve “manter-se no tema”, mas sabe que nem com sua fala nem com seu voto pode influenciar minimamente os procedimentos. Seus discursos nem sequer chegam ao público; ficam enterrados nos registros do Congresso, que ninguém lê, e ele tem plena consciência de ser uma voz solitária e ignorada no deserto das maquinações políticas.
Ele apela aos eleitores para elegerem mais camaradas aos corpos legislativos. Um único socialista não pode realizar nada, diz a eles. Anos se passam, e finalmente o Partido Socialista consegue eleger vários de seus membros. Cada um deles passa pela mesma experiência de seu primeiro colega, mas agora chegam rapidamente à conclusão de que pregar doutrinas socialistas aos políticos é pior que inútil. Decidem participar da legislação. Precisam mostrar que não estão apenas “bradando revolução”, mas que são homens práticos, estadistas, que estão fazendo algo por sua base eleitoral, cuidando de seus interesses.
Dessa maneira, a situação os obriga a ter uma participação “prática” nos procedimentos, a “falar sério”, a alinhar-se com os assuntos realmente tratados nos corpos legislativos. Sabem perfeitamente que essas questões nada têm a ver com o Socialismo ou com a abolição do capitalismo. Pelo contrário, toda essa produção de leis e encenação política apenas fortalece o domínio dos patrões sobre o povo; pior, ilude os trabalhadores fazendo-os acreditar que os legislativos podem fazer algo por eles e os engana com a falsa esperança de que obterão resultados por meio da política. Assim, mantêm os trabalhadores esperando pela lei e pelo governo para “mudar as coisas”, para “melhorar” sua condição.
E assim a máquina do governo continua a funcionar, os patrões mantêm-se seguros em sua posição, e os trabalhadores são iludidos com promessas de “ações” por parte de seus representantes nos corpos legislativos, com novas leis que lhes trarão “alívio”.
Esse processo tem se repetido há anos em todos os países da Europa. Os partidos socialistas conseguiram eleger muitos de seus membros para vários cargos legislativos e governamentais. Passando anos nesse ambiente, desfrutando de bons cargos e salários, os socialistas eleitos tornaram-se eles próprios parte integrante da máquina política.
Eles passaram a sentir que não adianta esperar pela revolução socialista para abolir o capitalismo. É mais prático trabalhar por alguma “melhoria”, tentar conseguir uma maioria socialista no governo. Pois, segundo dizem agora, quando tiverem a maioria, não precisarão de revolução.
A mudança socialista ocorreu lentamente, aos poucos. Com o crescente sucesso nas eleições e a conquista do poder político, tornaram-se mais conservadores e satisfeitos com as condições existentes. Afastados da vida e do sofrimento da classe trabalhadora, vivendo na atmosfera da burguesia, da afluência e da influência, tornaram-se aquilo que chamam de “práticos”. Ao verem de perto o funcionamento da máquina política, conhecendo sua degradação e corrupção, perceberam que não há esperança para o Socialismo naquele pântano de engano, suborno e corrupção. Mas poucos, muito poucos socialistas encontram coragem para esclarecer os trabalhadores sobre o quanto é inútil a política para ajudar a causa do trabalho. Tal confissão significaria o fim de suas carreiras políticas, com seus proventos e vantagens. Assim, a grande maioria prefere guardar suas conclusões para si e deixar as coisas como estão. O poder e a posição calaram gradualmente suas consciências, e eles não têm força nem honestidade para nadar contra a correnteza.
Foi isso o que aconteceu com o Socialismo, que um dia foi a esperança dos oprimidos do mundo. Os partidos socialistas deram as mãos à burguesia e aos inimigos do trabalho. Tornaram-se o mais forte sustentáculo do capitalismo, fingindo perante as massas que lutam por seus interesses, quando na realidade se aliaram aos exploradores. Esqueceram-se tanto e traíram tanto o seu Socialismo original que, na grande Guerra Mundial, os partidos socialistas de todos os países da Europa ajudaram seus governos a levar os trabalhadores ao massacre.
A guerra demonstrou claramente a falência do Socialismo. Os partidos socialistas, cujo lema era “Trabalhadores do mundo, uni-vos!”, enviaram os proletários para se assassinarem mutuamente. De inimigos ferrenhos do militarismo e da guerra tornaram-se defensores de sua “pátria”, exortando os trabalhadores a vestir o uniforme do exército e matar seus companheiros de classe em outros países.
Realmente estranho! Durante anos vinham dizendo aos proletários que eles não têm pátria, que seus interesses são opostos aos de seus patrões, que o trabalhador “nada tem a perder além de seus grilhões”, mas ao primeiro sinal de guerra chamaram os trabalhadores às armas e votaram apoio e verbas para que o governo executasse o trabalho de carnificina. Isso aconteceu em todos os países da Europa. É verdade que houve minorias socialistas que protestaram contra a guerra, mas a maioria dominante nos partidos socialistas os condenou e ignorou, alinhando-se com o massacre.
Foi uma traição terrível, não apenas ao Socialismo, mas a toda a classe trabalhadora, à própria humanidade. O Socialismo, cuja missão era educar o mundo sobre os males do capitalismo, sobre o caráter assassino do patriotismo, sobre a brutalidade e inutilidade da guerra; o Socialismo, que era o defensor dos direitos humanos, da liberdade e da justiça, a esperança e promessa de um futuro melhor, transformou-se miseravelmente em defensor do governo e dos senhores, tornou-se servo dos militaristas e nacionalistas chauvinistas. Os antigos social-democratas viraram “social-patriotas”.
Mas isso não aconteceu apenas por traição. Enxergar assim seria perder o ponto principal e não compreender a lição de alerta. Foi sim uma traição, tanto em sua natureza quanto em seus efeitos, e os resultados dessa traição faliram o Socialismo, desiludiram milhões que acreditavam sinceramente nele e encheram o mundo de uma negra reação. Mas não foi apenas uma traição, não foi uma traição comum. A causa real está muito mais profunda.
“Somos o que comemos”, disse um grande pensador. Ou seja, a vida que levamos, o ambiente em que vivemos, os pensamentos que pensamos e os atos que praticamos — tudo isso molda sutilmente nosso caráter e faz de nós o que somos.
A longa atividade política dos socialistas e sua cooperação com os partidos burgueses aos poucos desviaram seus pensamentos e hábitos mentais das formas socialistas de pensar. Pouco a pouco esqueceram que o propósito do Socialismo era educar as massas, fazê-las enxergar o jogo do capitalismo, ensiná-las que o governo é seu inimigo, que a igreja as mantém na ignorância, que são enganadas por ideias projetadas para perpetuar as superstições e injustiças sobre as quais a sociedade atual se sustenta. Em suma, esqueceram que o Socialismo deveria ser o Messias que expulsaria as trevas da mente e da vida dos homens, que os elevaria do lamaçal da ignorância e do materialismo e despertaria seu idealismo natural, a aspiração por justiça e fraternidade, rumo à liberdade e à luz.
Esqueceram disso. Precisaram esquecer para serem “práticos”, para “realizar” algo, para se tornarem políticos bem-sucedidos. Ninguém mergulha em um pântano e permanece limpo. Precisaram esquecer, porque seu objetivo passou a ser “obter resultados”, vencer eleições, conquistar o poder. Sabiam que não poderiam ter sucesso na política dizendo ao povo toda a verdade sobre a realidade — pois a verdade não apenas antagoniza o governo, a igreja e a escola, como também ofende os preconceitos das massas. E essas precisam ser educadas, o que é um processo lento e difícil. Mas o jogo político exige sucesso, resultados rápidos. Os socialistas precisavam ter cuidado para não entrar em grande conflito com os poderes instituídos; não podiam se dar ao luxo de perder tempo educando o povo.
Assim, seu principal objetivo passou a ser conquistar votos. Para alcançar isso, tiveram que se adaptar. Tiveram que aparar, pouco a pouco, aquelas partes do Socialismo que poderiam resultar em perseguição pelas autoridades, em desaprovação da igreja ou que impediriam que elementos conservadores se juntassem às suas fileiras. Tiveram que ceder.
E cederam. Antes de tudo, pararam de falar em revolução. Sabiam que o capitalismo não pode ser abolido sem uma luta amarga, mas decidiram dizer ao povo que poderiam instaurar o Socialismo por meio da legislação, da lei, e que tudo o que era necessário era colocar socialistas suficientes no governo.
Deixaram de denunciar o governo como um mal; pararam de esclarecer os trabalhadores sobre seu verdadeiro caráter como agente de escravização. Em vez disso, começaram a afirmar que eles, os socialistas, são os mais firmes defensores do “Estado” e seus melhores guardiões; que, longe de serem contrários à “lei e à ordem”, são seus verdadeiros amigos; que são, de fato, os únicos que realmente acreditam no governo — apenas acreditam que o governo deve ser socialista; isto é, que eles, os socialistas, devem fazer as leis e governar.
Assim, em vez de enfraquecer a crença falsa e escravizante na lei e no governo — de enfraquecê-la para que tais instituições pudessem ser abolidas como meios de opressão — os Socialistas trabalharam, na verdade, para fortalecer a fé do povo na autoridade coercitiva e no governo, de modo que hoje os membros dos partidos socialistas no mundo inteiro são os maiores crentes no Estado e, por isso, são chamados de estatistas. No entanto, seus grandes mestres, Marx e Engels, ensinaram claramente que o Estado serve apenas para suprimir, e que, quando o povo alcançar a verdadeira liberdade, o Estado será abolido, irá “desaparecer”.
O compromisso socialista em busca do sucesso político não parou por aí. Foi ainda mais longe. Para obter votos, os partidos socialistas decidiram não educar o povo sobre a falsidade, hipocrisia e ameaça da religião organizada. Sabemos o quanto a igreja, como instituição, sempre foi — e continua sendo — um sustentáculo do capitalismo e da escravidão. É evidente que pessoas que creem na igreja, juram fidelidade ao padre e se curvam à sua autoridade, naturalmente obedecerão a ele e a suas ordens. Tais pessoas, mergulhadas em ignorância e superstição, são as vítimas mais fáceis dos senhores. Mas, para obter maior sucesso em suas campanhas eleitorais, os Socialistas decidiram eliminar a propaganda educativa antirreligiosa, a fim de não ofender os preconceitos populares. Declararam que a religião é um “assunto privado” e excluíram de sua agitação toda crítica à igreja.
Aquilo em que você acredita pessoalmente é, de fato, um assunto privado; mas, quando você se junta a outras pessoas e as organiza em um corpo para impor sua crença aos demais, para forçá-los a pensar como você, e para puni-los (na medida do seu poder) caso tenham outras crenças, então isso já não é mais um “assunto privado”. Seria como dizer que a Inquisição, que torturava e queimava pessoas vivas como hereges, era um “assunto privado”.
Foi uma das piores traições à causa da liberdade cometidas pelos Socialistas, essa declaração de que a religião é um “assunto privado”. A humanidade evoluiu lentamente a partir da terrível ignorância, superstição, fanatismo e intolerância que tornaram possíveis as perseguições religiosas e as inquisições. O avanço da ciência e da invenção, da palavra impressa e dos meios de comunicação trouxeram iluminação, e é essa iluminação que libertou, em certa medida, a mente humana das garras da igreja. Não que ela tenha deixado totalmente de condenar aqueles que não aceitam seus dogmas. Ainda há bastante dessa perseguição, mas o progresso do conhecimento privou a igreja de seu antigo domínio absoluto sobre a mente, a vida e a liberdade do ser humano; assim como o progresso também privou o governo do poder de tratar o povo como escravos e servos absolutos.
Você pode ver então o quanto é importante continuar o trabalho de esclarecimento, que já se provou uma bênção libertadora para o povo no passado; continuar esse trabalho, para que um dia possamos eliminar completamente todas as forças de superstição e tirania.
Mas os Socialistas decidiram abandonar esse trabalho tão necessário, declarando que a religião é um “assunto privado”.
Esses compromissos e a renúncia aos verdadeiros objetivos do Socialismo trouxeram resultados políticos bastante satisfatórios. Os Socialistas ganharam força política ao custo de seus ideais. Mas essa “força” acabou se revelando fraqueza e ruína.
Não há nada mais corruptor do que o compromisso. Um passo nessa direção exige outro, torna-o necessário e inevitável, e logo tudo se desmorona com a força de uma bola de neve transformada em avalanche.
Um por um, aqueles aspectos do Socialismo que eram realmente significativos, educativos e libertadores foram sacrificados em nome da política, para garantir uma opinião pública mais favorável, reduzir a perseguição e realizar “algo prático”; isto é, para eleger mais Socialistas. Nesse processo, que já dura anos em todos os países, os partidos socialistas da Europa adquiriram uma base de milhões de membros. Mas esses milhões não eram realmente socialistas; eram seguidores do partido que não tinham noção do verdadeiro espírito e significado do Socialismo; homens e mulheres mergulhados em preconceitos antigos e visões capitalistas; pessoas com mentalidade burguesa, nacionalistas estreitos, membros da igreja, crentes na autoridade divina e, por consequência, também no governo humano, na dominação do homem pelo homem, no Estado e em suas instituições de opressão e exploração, na necessidade de defender “seu” governo e país, no patriotismo e no militarismo.
Será de se admirar, então, que quando estourou a Grande Guerra, Socialistas de todos os países, com poucas exceções, tenham pegado em armas para “defender a pátria”, a pátria de seus governantes e senhores? O socialista alemão lutou por seu autocrático Kaiser, o austríaco pela monarquia dos Habsburgos, o russo por seu czar, o italiano por seu rei, o francês pela “república” — e assim os “Socialistas” de todos os países, junto com seus seguidores, seguiram se matando até que dez milhões de pessoas estivessem mortas, e vinte milhões cegas, mutiladas e aleijadas.
Era inevitável que a política de atividade parlamentar conduzisse a tais resultados. Pois, na verdade, a chamada “ação” política é, no que diz respeito à causa dos trabalhadores e ao verdadeiro progresso, pior do que a inação. A essência da política é a corrupção, o oportunismo, o sacrifício dos ideais e da integridade em nome do sucesso. Amargos são os frutos desse “sucesso” para as massas e para toda pessoa decente em qualquer parte do mundo.
Como consequência direta disso, milhões de trabalhadores em todos os países estão desencorajados e desiludidos. O Socialismo — sentem eles, com razão — os iludiu e traiu. Cinquenta, ou melhor, quase cem anos de “trabalho” socialista resultaram na total falência dos partidos socialistas, na desilusão das massas e trouxeram uma reação que agora domina o mundo inteiro e mantém o trabalho sob seu domínio com mão de ferro.
Você ainda acha que os partidos socialistas, com suas eleições e políticas, podem ajudar o proletariado a sair da escravidão salarial?
“Pelos frutos os conhecereis.”
“Mas os bolcheviques”, você protesta, “esses não traíram os trabalhadores. Eles têm Socialismo na Rússia hoje!”
Vamos então dar uma olhada na Rússia.
[2] Organizado sob diversos nomes como “Partido Social-Democrata”, “Partido Trabalhista Social-Democrata” ou “Partido Trabalhista Socialista”.
- Informações
- Prefácio
- Introdução
- Capítulo 1 — O que você quer da vida?
- Capítulo 2 — O sistema de salários
- Capítulo 3 — Lei e governo
- Capítulo 4 — Como o sistema funciona
- Capítulo 5 — Desemprego
- Capítulo 6 — Guerra?
- Capítulo 7 — Igreja e escola
- Capítulo 8 — Justiça
- Capítulo 9 — A igreja pode ajudá-lo?
- Capítulo 10 — O reformador e o político
- Capítulo 11 — O sindicato
- Capítulo 12 — De quem é o poder?
- Capítulo 13 — Socialismo
- Capítulo 14 — A Revolução de Fevereiro
- Capítulo 15 — Entre fevereiro e outubro
- Capítulo 16 — Os bolcheviques
- Capítulo 17 — Revolução e ditadura
- Capítulo 18 — A ditadura em ação
- Capítulo 19 — O anarquismo é violência?
- Capítulo 20 — O que é o anarquismo?
- Capítulo 21 — A anarquia é possível?
- Capítulo 22 — O anarquismo comunista vai funcionar?
- Capítulo 23 — Anarquistas não-comunistas
- Capítulo 24 — Por que a revolução?
- Capítulo 25 — A ideia é o essencial
- Capítulo 26 — Preparação
- Capítulo 27 — Organização do trabalho para a revolução social
- Capítulo 28 — Princípios e prática
- Capítulo 29 — Consumo e troca
- Capítulo 30 — Produção
- Capítulo 31 — Defesa da revolução