Capítulo 3 — Lei e governo

Sim, você está certo: a lei proíbe o roubo.

Se eu roubasse algo de você, você poderia chamar um policial e me fazer ser preso. A lei puniria o ladrão e o governo lhe devolveria o que foi roubado, se possível, porque a lei proíbe o roubo. Ela diz que ninguém tem o direito de tirar nada de você sem o seu consentimento.

Mas o seu patrão tira de você o que você produz. Toda a riqueza produzida pelo trabalho é tomada pelos capitalistas e mantida por eles como sua propriedade.

A lei diz que seu patrão não rouba nada de você, porque isso é feito com o seu consentimento. Você concordou em trabalhar para o seu chefe por um determinado pagamento, e ele fica com tudo o que você produz. Porque você consentiu, a lei diz que ele não rouba nada de você.

Mas você realmente consentiu?

Quando o assaltante aponta a arma para sua cabeça, você entrega seus bens a ele. Você ‘consente’, claro, mas faz isso porque não tem outra escolha, porque está compelido pela arma dele.

Você não está compelido a trabalhar para um patrão? Sua necessidade o obriga, tal como a arma do assaltante. Você precisa viver, e sua esposa e filhos também. Você não pode trabalhar para si mesmo; sob o sistema industrial capitalista você deve trabalhar para um patrão. As fábricas, máquinas e ferramentas pertencem à classe empregadora, então você precisa se alugar para essa classe para poder trabalhar e viver. Qualquer que seja seu trabalho, quem quer que seja seu patrão, sempre é a mesma situação: você precisa trabalhar para ele. Você não tem escolha. Você está compelido.

Desse modo, toda a classe trabalhadora é obrigada a trabalhar para a classe capitalista. Dessa maneira, os trabalhadores são forçados a entregar toda a riqueza que produzem. Os patrões ficam com essa riqueza como seu lucro, enquanto o trabalhador recebe apenas um salário, apenas o suficiente para viver, para que possa continuar produzindo mais riqueza para seu patrão. Isso não é uma fraude, um roubo?

A lei diz que é um ‘acordo livre’. Da mesma forma o assaltante poderia dizer que você ‘concordou’ em lhe entregar seus bens. A única diferença é que o modo do assaltante é chamado de roubo e é proibido pela lei, enquanto o modo capitalista é chamado de negócios, indústria, geração de lucro, e é protegido pela lei.

Mas, seja feito do jeito do assaltante ou do jeito do capitalista, você sabe que está sendo roubado.

Todo o sistema capitalista repousa sobre esse tipo de roubo.

Todo o sistema de leis e governo sustenta e justifica esse roubo.

Essa é a ordem das coisas chamada capitalismo, e as leis e o governo existem para proteger essa ordem.

Você se surpreende que os capitalistas e patrões, e todos os que lucram com essa ordem das coisas, sejam tão fervorosos defensores da ‘lei e da ordem’?

Mas onde você entra nisso? Que benefício você tem desse tipo de ‘lei e ordem’? Você não vê que essa ‘lei e ordem’ apenas o rouba, engana e escraviza?

‘Escraviza?’ você se pergunta. ‘Mas eu sou um cidadão livre!’

Você é livre, realmente? Livre para fazer o quê? Para viver como quiser? Para fazer o que quiser?

Vejamos. Como você vive? O que sua liberdade realmente significa?

Você depende de seu patrão para receber seu salário, não é? E seu salário determina seu modo de vida, não é? As condições de sua vida, até o que você come e bebe, para onde vai e com quem se associa — tudo depende de seu salário.

Não, você não é um homem livre. Você é dependente de seu patrão e de seu salário. Você é, na verdade, um escravo assalariado.

Toda a classe trabalhadora, sob o sistema capitalista, é dependente da classe capitalista. Os trabalhadores são escravos assalariados.

Então, o que resta da sua liberdade? O que você pode fazer com ela? Pode fazer mais do que seu salário permite?

Você não vê que seu salário — seu rendimento — é toda a liberdade que você tem? Sua liberdade, sua liberdade real, não vai além do que seu salário permite.

A liberdade que lhe é concedida no papel, escrita nos livros de leis e constituições, não lhe serve de nada. Essa liberdade apenas significa que você tem o direito de fazer certas coisas. Mas não significa que você pode fazê-las. Para ser capaz de fazê-las, é necessário ter meios, oportunidade. Você tem o direito de comer três boas refeições por dia, mas se não tiver meios, a oportunidade de obtê-las, que valor tem esse direito para você?

Portanto, liberdade significa oportunidade para satisfazer suas necessidades e desejos. Se a sua liberdade não lhe dá essa oportunidade, então ela não serve para nada. A verdadeira liberdade significa oportunidade e bem-estar. Se não significa isso, não significa nada.

Você vê, então, que toda a situação se resume a isto:

  • O capitalismo o rouba e o transforma em escravo assalariado.
  • A lei sustenta e protege esse roubo.
  • O governo o engana, fazendo-o acreditar que você é independente e livre.

Dessa forma, você é enganado e ludibriado todos os dias da sua vida.

Mas como é que você não percebeu isso antes? Como é que a maioria das outras pessoas também não percebe?

É porque você e todos os outros são constantemente enganados a respeito disso, desde a mais tenra infância.

Você é ensinado a ser honesto, enquanto é roubado a vida inteira.

Você é instruído a respeitar a lei, enquanto a lei protege o capitalista que o rouba.

Você é ensinado que matar é errado, enquanto o governo enforca e eletrocuta pessoas, e as massacra nas guerras.

Você é ensinado a obedecer à lei e ao governo, embora a lei e o governo representem roubo e assassinato.

Assim, durante toda a vida, você é enganado, iludido e traído, para que seja mais fácil tirar proveito de você, explorá-lo.

Porque não é apenas o patrão e o capitalista que lucram com você. O governo, a igreja e a escola — todos vivem do seu trabalho. Você sustenta todos eles. Por isso todos ensinam você a se conformar com sua sorte e a se comportar.

‘É mesmo verdade que eu sustento todos eles?’ você pergunta, surpreso.

Vejamos. Eles comem, bebem e se vestem, para não falar das luxúrias de que desfrutam. Foram eles que produziram essas coisas que consomem? Foram eles que plantaram, semearam, construíram?

‘Mas eles pagam por essas coisas’, seu amigo pode objetar.

Sim, eles pagam. Mas suponha que um sujeito roubasse cinquenta dólares de você e depois comprasse um terno com esse dinheiro. Esse terno seria direito dele? Não teria ele pago por ele? Pois da mesma maneira aqueles que não produzem nada ou não fazem nenhum trabalho útil pagam pelas coisas. Seu dinheiro são os lucros que eles, ou seus antepassados, extorquiram de você, dos trabalhadores.

‘Então não é meu patrão que me sustenta, mas eu a ele?’

Claro. Ele lhe dá um emprego; isto é, permissão para trabalhar na fábrica ou usina que não foi construída por ele, mas por outros trabalhadores como você. E por essa permissão, você ajuda a sustentá-lo pelo resto da sua vida ou enquanto trabalhar para ele. Você o sustenta de tal maneira que ele pode ter uma mansão na cidade e uma casa no campo, ou várias delas, além de empregados para atender a ele, sua família e seus amigos, e ainda financiar corridas de cavalos, regatas e uma centena de outras extravagâncias.

Mas você não é generoso apenas com ele. Do seu trabalho, por meio de impostos diretos e indiretos, são sustentados todo o governo — municipal, estadual e nacional —, as escolas, as igrejas e todas as outras instituições cujo objetivo é proteger os lucros e mantê-lo iludido. Você e seus companheiros trabalhadores, o trabalho como um todo, sustentam todos eles. Você se surpreende que todos lhe digam que tudo está bem e que você deve ser bom e ficar quieto?

É conveniente para eles que você permaneça quieto, pois eles não poderiam continuar a enganá-lo e roubá-lo uma vez que você abrisse os olhos e enxergasse o que acontece com você.

É por isso que todos eles defendem tão vigorosamente esse sistema capitalista, essa ‘lei e ordem’.

Mas esse sistema é bom para você? Você acha que ele é justo e correto? Se não, então por que você o aceita? Por que você o sustenta? ‘O que posso fazer?’, você diz; ‘Sou apenas um.’

Você é realmente apenas um? Ou você é um entre muitos milhares, entre milhões, todos explorados e escravizados da mesma forma que você? Só que eles ainda não perceberam. Se soubessem, não aceitariam isso. Com certeza. Então a questão é fazê-los perceber.

Todo trabalhador em sua cidade, todo trabalhador em seu país, em cada país, em todo o mundo, é explorado e escravizado da mesma forma que você.

E não apenas os trabalhadores. Os agricultores também são enganados e roubados do mesmo modo.

Assim como os trabalhadores, o agricultor depende da classe capitalista. Ele labuta duramente toda a sua vida, mas a maior parte de seu trabalho vai para os monopólios e trusts da terra, que, por direito, não pertencem a eles mais do que a lua.

O agricultor produz o alimento do mundo. Ele alimenta todos nós. Mas antes que possa fazer seus produtos chegarem até nós, é forçado a pagar tributo à classe que vive do trabalho alheio, à classe capitalista. O agricultor é espoliado da maior parte de sua produção, assim como o trabalhador é. Ele é explorado pelo proprietário da terra, pelo credor hipotecário, pelo truste do aço e pelas ferrovias. O banqueiro, o comissário, o varejista e dezenas de outros intermediários extraem seus lucros do agricultor antes que ele possa entregar seu alimento a você.

As leis e o governo permitem e ajudam nesse roubo, ao decretar que a terra — que ninguém criou — pertence ao senhorio; que as ferrovias — construídas pelos trabalhadores — pertencem aos magnatas ferroviários; que os armazéns, elevadores de grãos e depósitos — erigidos pelos trabalhadores — pertencem aos capitalistas; e que todos esses monopolistas e capitalistas têm o direito de lucrar com o agricultor antes que ele possa entregar seus produtos a você.

Assim, você pode ver como o agricultor é roubado pelo grande capital e pelos negócios, e como a lei ajuda nesse roubo, da mesma maneira que acontece com o trabalhador.

Mas não são apenas o trabalhador e o agricultor que são explorados e obrigados a entregar a maior parte de sua produção aos capitalistas, aos que monopolizaram a terra, as ferrovias, as fábricas, as máquinas e todos os recursos naturais. O país inteiro, o mundo todo é forçado a pagar tributo aos reis das finanças e da indústria.

O pequeno comerciante depende do atacadista; o atacadista do fabricante; o fabricante dos magnatas de seu setor; e todos eles dos banqueiros e financistas para obter crédito. Os grandes banqueiros e financistas podem arruinar qualquer homem retirando-lhe o crédito. Fazem isso sempre que querem eliminar alguém dos negócios. O comerciante está totalmente à mercê deles. Se ele não jogar conforme seus interesses, eles simplesmente o eliminam do jogo.

Assim, toda a humanidade depende e é escravizada por apenas um punhado de homens que monopolizaram quase toda a riqueza do mundo — homens que, eles próprios, nunca criaram coisa alguma.

‘Mas esses homens trabalham duro’, você diz.

Bem, alguns deles não trabalham nada. Alguns são apenas parasitas, enquanto outros podem trabalhar. Mas que tipo de trabalho fazem? Eles produzem algo, como o trabalhador e o agricultor? Não, eles não produzem nada, embora possam trabalhar. Trabalham para explorar as pessoas, para extrair lucros delas. Seu trabalho beneficia você? O assaltante também trabalha duro e corre grandes riscos. O ‘trabalho’ do capitalista, como o do ladrão, também emprega advogados, carcereiros e uma série de outros serviçais — todos sustentados pelo seu trabalho.

Parece mesmo ridículo que o mundo inteiro deva se escravizar para beneficiar um punhado de monopolistas, e que todos tenham que depender deles para ter direito e oportunidade de viver. Mas o fato é exatamente esse. E é ainda mais absurdo quando se considera que os trabalhadores e agricultores — que sozinhos criam toda a riqueza — sejam os mais dependentes e os mais pobres de todas as classes da sociedade.

É realmente monstruoso, e muito triste. Certamente o seu bom senso deve lhe dizer que essa situação é uma loucura. Se as grandes massas de pessoas, os milhões em todo o mundo, enxergassem como estão sendo enganados, explorados e escravizados, como você vê agora, você acha que aceitariam isso? Claro que não!

Os capitalistas sabem que não. Por isso eles precisam do governo para legalizar seus métodos de roubo, para proteger o sistema capitalista.

Por isso o governo precisa das leis, da polícia e dos soldados, dos tribunais e das prisões para proteger o capitalismo.

Mas quem são os policiais e soldados que protegem os capitalistas contra você, contra o povo?

Se fossem eles próprios capitalistas, faria sentido querer proteger a riqueza que roubaram. Mas não: os policiais e soldados vêm das fileiras do povo — homens pobres que, por um salário, protegem o próprio sistema que os mantém pobres. É inacreditável, não é? No entanto, é verdade. Trata-se simplesmente disso: alguns dos escravos protegem seus senhores, mantendo a si mesmos e aos demais na escravidão.

Da mesma forma, a Grã-Bretanha, por exemplo, mantém os hindus da Índia subjugados com uma força policial formada pelos próprios hindus. Ou como a Bélgica faz com os negros no Congo. Ou como qualquer governo faz com um povo subjugado.

É o mesmo sistema.

Eis no que tudo se resume: O capitalismo rouba e explora todo o povo; as leis legalizam e sustentam esse roubo capitalista; o governo usa parte do povo para ajudar e proteger os capitalistas na exploração do restante. Tudo isso é mantido por meio da educação que ensina o povo a acreditar que o capitalismo é justo, que a lei é correta e que o governo deve ser obedecido. Você consegue enxergar esse jogo agora?

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