Capítulo 31 — Defesa da revolução

“Suponha que o seu sistema seja posto à prova, vocês teriam algum meio de defender a revolução?”, você pergunta.

Certamente.

“Mesmo pela força armada?”

Sim, se necessário.

“Mas força armada é violência organizada. Você não disse que o anarquismo era contra isso?”

O anarquismo é contrário a qualquer interferência na sua liberdade, seja pela força e violência ou por qualquer outro meio. É contra toda invasão e imposição. Mas se alguém ataca você, então é ele quem está invadindo você, ele quem está empregando violência contra você. Você tem o direito de se defender. Mais do que isso, é seu dever, como anarquista, proteger sua liberdade, resistir à coerção e à compulsão. Caso contrário, você é um escravo, não um homem livre. Em outras palavras, a revolução social não atacará ninguém, mas se defenderá contra a invasão de qualquer parte.

Além disso, você não deve confundir revolução social com anarquia. Revolução, em algumas de suas fases, é um levante violento; anarquia é uma condição social de liberdade e paz. A revolução é o meio de alcançar a anarquia, mas não é a anarquia em si. Ela deve pavimentar o caminho para a anarquia, estabelecer condições que tornem possível uma vida de liberdade.

Mas para alcançar seu propósito, a revolução deve estar imbuída do espírito e das ideias anarquistas. O fim molda os meios, assim como a ferramenta que você usa deve ser apropriada para o trabalho que deseja realizar. Ou seja, a revolução social deve ser anarquista tanto em seus métodos quanto em seus objetivos.

A defesa revolucionária deve estar em consonância com esse espírito. A autodefesa exclui todos os atos de coerção, perseguição ou vingança. Ela se preocupa apenas em repelir o ataque e privar o inimigo da oportunidade de invadir você.

“Como vocês repeliriam uma invasão estrangeira?”

Pela força da revolução. Em que consiste essa força? Antes de tudo, no apoio do povo, na dedicação das massas industriais e agrícolas. Se sentirem que estão realizando a revolução por si mesmas, que se tornaram donas de suas vidas, que conquistaram a liberdade e estão construindo seu bem-estar, então é nesse próprio sentimento que reside a maior força da revolução. Hoje, as massas lutam por rei, capitalista ou presidente porque acreditam que eles valem a pena. Que acreditem na revolução, e a defenderão até a morte.

Elas lutarão pela revolução com o coração e a alma, como os operários semiesfomeados, mulheres e até crianças de Petrogrado defenderam sua cidade, quase com as mãos nuas, contra o exército Branco do General Yudenitch. Retire essa fé, prive o povo do poder estabelecendo alguma autoridade sobre ele, seja um partido político ou uma organização militar, e você terá dado um golpe fatal na revolução. Você a terá privado de sua principal fonte de força, as massas. Você a terá deixado indefesa.

Os trabalhadores e camponeses armados são a única defesa efetiva da revolução. Por meio de seus sindicatos e organizações devem estar sempre em alerta contra ataques contrarrevolucionários. O trabalhador da fábrica, da mina e do campo é o soldado da revolução. Ele está em sua bancada ou arado ou no campo de batalha, conforme necessário. Mas em sua fábrica ou em seu regimento, ele é a alma da revolução, e é sua vontade que decide seu destino. Na indústria, os comitês de fábrica; nos quartéis, os comitês de soldados — essas são as fontes de toda força e atividade revolucionária.

Foi a Guarda Vermelha voluntária, composta por trabalhadores, que defendeu com sucesso a Revolução Russa em seus estágios iniciais mais críticos. Mais tarde, foram novamente regimentos camponeses voluntários que derrotaram os exércitos brancos. O exército Vermelho regular, organizado posteriormente, era impotente sem as divisões voluntárias de trabalhadores e camponeses. A Sibéria foi libertada de Kolchak e suas hordas por tais voluntários camponeses. No norte da Rússia, também foram destacamentos de trabalhadores e camponeses que expulsaram os exércitos estrangeiros que vieram impor o jugo dos reacionários locais ao povo.[24] Na Ucrânia, os exércitos camponeses voluntários — conhecidos como povstantsi — salvaram a Revolução de numerosos generais contrarrevolucionários e particularmente de Denikin, quando este já estava às portas de Moscou. Foram os povstantsi revolucionários que libertaram o sul da Rússia dos exércitos invasores da Alemanha, França, Itália e Grécia e posteriormente também derrotaram as forças brancas do General Wrangel.

A defesa militar da revolução pode exigir comando supremo, coordenação de atividades, disciplina e obediência às ordens. Mas isso deve vir da devoção dos trabalhadores e camponeses, e deve basear-se em sua cooperação voluntária por meio de suas organizações locais, regionais e federais. Na defesa contra ataque estrangeiro, como em todos os outros problemas da revolução social, o interesse ativo das massas, sua autonomia e autodeterminação são a melhor garantia de sucesso.

Compreenda bem que a única defesa realmente eficaz da revolução reside na atitude do povo. O descontentamento popular é o pior inimigo da revolução e seu maior perigo. Devemos sempre lembrar que a força da revolução social é orgânica, não mecanicista: seu poder não reside em medidas mecânicas ou militares, mas na indústria, na sua capacidade de reconstruir a vida, de estabelecer liberdade e justiça. Que o povo sinta que é de fato sua própria causa que está em jogo, e o último deles lutará como um leão por ela.

O mesmo se aplica à defesa interna quanto à externa. Que chance teria qualquer general branco ou contrarrevolucionário se ele não pudesse explorar a opressão e a injustiça para incitar o povo contra a revolução? A contrarrevolução só pode se alimentar do descontentamento popular. Onde as massas têm consciência de que a revolução e todas as suas atividades estão em suas próprias mãos, que são elas mesmas que administram as coisas e são livres para mudar seus métodos quando considerarem necessário, a contrarrevolução não encontra apoio e é inofensiva.

“Mas vocês deixariam os contrarrevolucionários incitarem o povo, se tentassem?”

Com certeza. Que falem o quanto quiserem. Restringi-los serviria apenas para criar uma classe perseguida e, assim, despertar a simpatia popular por eles e sua causa. Suprimir a fala e a imprensa não é apenas uma ofensa teórica à liberdade: é um golpe direto nos próprios alicerces da revolução. Isso, em primeiro lugar, criaria problemas onde antes não existiam. Introduziria métodos que levariam ao descontentamento e à oposição, à amargura e ao conflito, à prisão, à Tcheka e à guerra civil. Geraria medo e desconfiança, fomentaria conspirações e culminaria em um reinado de terror que sempre matou revoluções no passado.

A revolução social deve desde o início se basear em princípios inteiramente diferentes, em uma nova concepção e atitude. A plena liberdade é o sopro vital de sua existência; e nunca se deve esquecer que o remédio para o mal e a desordem é mais liberdade, não a repressão. A repressão leva apenas à violência e à destruição.

“Então vocês não defenderão a revolução?”, seu amigo exige.

Certamente defenderemos. Mas não contra simples palavras, não contra uma expressão de opinião. A revolução deve ser grande o suficiente para acolher até mesmo as críticas mais severas e aproveitar-se delas, se forem justificadas. A revolução se defenderá com firmeza contra a contrarrevolução real, contra todos os inimigos ativos, contra qualquer tentativa de derrotá-la ou sabotá-la por invasão ou violência. Esse é seu direito e seu dever. Mas não perseguirá o inimigo vencido, nem buscará vingança contra uma classe social inteira por causa da culpa de alguns de seus membros. Os pecados dos pais não devem ser imputados aos filhos.

“O que vocês farão com os contrarrevolucionários?”

Combates reais e resistência armada envolvem sacrifícios humanos, e os contrarrevolucionários que perdem suas vidas nessas circunstâncias sofrem as consequências inevitáveis de seus atos. Mas o povo revolucionário não é selvagem. Os feridos não são massacrados nem os prisioneiros executados. Tampouco se pratica o sistema bárbaro de fuzilar reféns, como fizeram os bolcheviques.

“Como vocês tratarão os contrarrevolucionários feitos prisioneiros durante um combate?”

A revolução deve encontrar novos caminhos, algum método sensato de lidar com eles. O método antigo é aprisioná-los, sustentá-los na ociosidade e empregar numerosos homens para vigiá-los e puni-los. E enquanto o culpado permanece na prisão, o encarceramento e o tratamento brutal o tornam ainda mais amargo contra a revolução, fortalecem sua oposição e alimentam pensamentos de vingança e novas conspirações. A revolução considerará tais métodos estúpidos e prejudiciais a seus melhores interesses. Tentará, em vez disso, por meio de um tratamento humano, convencer o inimigo derrotado do erro e da inutilidade de sua resistência. Aplicará liberdade em vez de vingança. Levará em conta que a maioria dos contrarrevolucionários são enganados em vez de inimigos, vítimas iludidas por indivíduos em busca de poder e autoridade. Saberá que eles precisam de esclarecimento, não de punição, e que o primeiro alcançará mais do que o segundo. Mesmo hoje essa percepção tem ganhado terreno. Os bolcheviques derrotaram os exércitos aliados na Rússia com mais eficácia pela propaganda revolucionária entre os soldados inimigos do que pela força de sua artilharia. Esses novos métodos já foram reconhecidos como práticos até mesmo pelo governo dos Estados Unidos, que os emprega agora em sua campanha na Nicarágua. Aviões americanos espalham proclamações e apelos ao povo nicaraguense para persuadi-lo a desertar Sandino e sua causa, e os chefes do exército americano esperam os melhores resultados com essas táticas. Mas os patriotas de Sandino lutam por sua terra e pátria contra um invasor estrangeiro, enquanto os contrarrevolucionários fazem guerra contra seu próprio povo. O trabalho de esclarecê-los é muito mais simples e promete melhores resultados.

“Você acha que essa seria realmente a melhor forma de lidar com a contrarrevolução?”

Com certeza. O tratamento humano e a bondade são mais eficazes do que a crueldade e a vingança. Essa nova atitude também sugerirá uma série de outros métodos de caráter semelhante. Vários modos de lidar com conspiradores e inimigos ativos da revolução surgirão assim que começarmos a praticar a nova política. Pode-se adotar, por exemplo, o plano de dispersá-los, individualmente ou em pequenos grupos, por distritos afastados de suas influências contrarrevolucionárias, entre comunidades de espírito e consciência revolucionários. Considere também que os contrarrevolucionários precisam comer; o que significa que se verão em uma situação que exigirá deles atenção e tempo com coisas mais urgentes do que tramar conspirações. O contrarrevolucionário derrotado, deixado em liberdade em vez de aprisionado, terá que buscar meios de sobrevivência. Não se lhe negará o sustento, é claro, pois a revolução será generosa o suficiente para alimentar até mesmo seus inimigos. Mas o indivíduo em questão terá que se integrar a alguma comunidade, conseguir alojamento etc., para usufruir da hospitalidade do centro de distribuição. Em outras palavras, os “prisioneiros em liberdade” contrarrevolucionários dependerão da comunidade e da boa vontade de seus membros para sua sobrevivência. Viverão em sua atmosfera e serão influenciados por seu ambiente revolucionário. Certamente estarão mais seguros e contentes do que na prisão e, com o tempo, deixarão de representar perigo à revolução. Vimos repetidamente tais exemplos na Rússia, em casos em que contrarrevolucionários escaparam da Tcheka e se estabeleceram em alguma aldeia ou cidade onde, como resultado de tratamento atencioso e decente, tornaram-se membros úteis da comunidade, frequentemente mais zelosos pelo bem público do que o cidadão médio, enquanto centenas de seus companheiros conspiradores, que não tiveram a sorte de evitar a prisão, estavam ocupados atrás das grades com pensamentos de vingança e novos complôs.

Vários planos de tratamento desses “prisioneiros em liberdade” sem dúvida serão tentados pelo povo revolucionário. Mas quaisquer que sejam os métodos, serão mais satisfatórios do que o atual sistema de vingança e punição, cujo fracasso completo foi demonstrado ao longo de toda a experiência humana. Entre os novos caminhos pode-se tentar também o da colonização livre. A revolução oferecerá a seus inimigos a oportunidade de se estabelecerem em alguma parte do país e lá estabelecerem a forma de vida social que melhor lhes convier. Não é especulação vã prever que não demorará muito para que a maioria deles prefira a fraternidade e a liberdade da comunidade revolucionária ao regime reacionário de sua colônia. Mas mesmo que não o façam, nada será perdido. Ao contrário, a revolução será a maior beneficiária, espiritualmente, ao abandonar métodos de vingança e perseguição e praticar a humanidade e a magnanimidade. A autodefesa revolucionária, inspirada por tais métodos, será mais eficaz justamente por causa da liberdade que garantirá até mesmo a seus inimigos. Seu apelo às massas e ao mundo será assim mais irresistível e universal. Na sua justiça e humanidade reside a força invencível da revolução social.

Nenhuma revolução até hoje tentou o verdadeiro caminho da liberdade. Nenhuma teve fé suficiente nela. Força e repressão, perseguição, vingança e terror caracterizaram todas as revoluções do passado e, com isso, traíram seus objetivos originais. Chegou a hora de tentar novos métodos, novos caminhos. A revolução social deve alcançar a emancipação do homem através da liberdade, mas se não temos fé nela, a revolução torna-se uma negação e traição de si mesma. Tenhamos, então, a coragem da liberdade: que ela substitua a repressão e o terror. Que a liberdade se torne nossa fé e nosso ato, e nela cresceremos fortes.

Apenas a liberdade pode tornar a revolução social eficaz e saudável. Somente ela pode pavimentar o caminho para novas alturas e preparar uma sociedade onde o bem-estar e a alegria sejam a herança de todos. O dia há de nascer em que o homem terá pela primeira vez plena oportunidade de crescer e florescer sob o sol livre e generoso da Anarquia.


[24] O Governo Tchaikovsky-Miller.

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