Capítulo 20 — O que é o anarquismo?

“Você pode nos dizer brevemente,” pergunta seu amigo, “o que realmente é o Anarquismo?”

Vou tentar. Em poucas palavras, o Anarquismo ensina que podemos viver em uma sociedade onde não há qualquer tipo de coerção.

Uma vida sem coerção naturalmente significa liberdade; significa estar livre de ser forçado ou coagido, tendo a oportunidade de levar a vida que melhor lhe convier.

Você não pode levar tal vida a menos que elimine as instituições que restringem sua liberdade e interferem em sua vida, as condições que o obrigam a agir de maneira diferente daquela que você realmente gostaria.

Quais são essas instituições e condições? Vamos ver o que precisamos eliminar para garantir uma vida livre e harmoniosa. Uma vez que saibamos o que precisa ser abolido e o que deve tomar seu lugar, também encontraremos o caminho para realizá-lo.

O que deve ser abolido, então, para assegurar a liberdade?

Antes de tudo, é claro, a coisa que mais o invade, que prejudica ou impede sua atividade livre; a coisa que interfere em sua liberdade e o obriga a viver de forma diferente da sua própria escolha.

Essa coisa é o governo.

Observe-o bem e verá que o governo é o maior invasor; mais do que isso, o pior criminoso que o ser humano já conheceu. Ele enche o mundo de violência, fraude e engano, de opressão e miséria. Como disse um grande pensador, “seu sopro é veneno”. Ele corrompe tudo o que toca.

“Sim, governo significa violência e é um mal,” você admite; “mas podemos viver sem ele?”

É justamente sobre isso que queremos conversar. Agora, se eu lhe perguntasse se você precisa de governo, tenho certeza de que responderia que não, mas que ele é necessário “para os outros”.

Mas se você perguntasse a qualquer um desses “outros”, ele responderia como você: diria que não precisa, mas que é necessário “para os outros”.

Por que todos pensam que podem ser decentes o suficiente sem o policial, mas que o cassetete é necessário “para os outros”?

“As pessoas se roubariam e se matariam se não houvesse governo e lei,” você diz.

Se realmente fariam isso, por que fariam? Fariam apenas pelo prazer ou por certas razões? Talvez se examinássemos essas razões, descobriríamos a cura para elas.

Suponha que você, eu e uma dúzia de outras pessoas naufragássemos e nos encontrássemos em uma ilha rica em frutos de todo tipo. Claro que nos pôríamos a trabalhar para recolher alimentos. Mas suponha que um de nós declarasse que tudo lhe pertence, e que ninguém pode pegar nem um único pedaço sem antes lhe pagar tributo. Ficaríamos indignados, não ficaríamos? Riríamos de suas pretensões. Se ele tentasse criar problemas, talvez o jogássemos no mar, e seria bem feito, não seria?

Suponha ainda que nós mesmos e nossos antepassados tivéssemos cultivado a ilha e abastecido-a com tudo que é necessário para a vida e o conforto, e que alguém chegasse e reivindicasse tudo para si. O que diríamos? Iríamos ignorá-lo, não é? Talvez disséssemos que poderia compartilhar conosco e juntar-se ao nosso trabalho. Mas suponha que ele insistisse em sua propriedade e apresentasse um pedaço de papel dizendo que prova que tudo lhe pertence. Diríamos que ele é louco e continuaríamos nossos afazeres. Mas se ele tivesse um governo por trás dele, apelaria para a proteção de “seus direitos” e o governo enviaria policiais e soldados para nos despejar e colocar o “proprietário legal em posse.

Essa é a função do governo; é para isso que o governo existe e o que faz o tempo todo.

Agora, você ainda acha que sem essa coisa chamada governo nós nos roubaríamos e assassinaríamos?

Não seria mais verdadeiro dizer que com governo nós roubamos e assassinamos? Porque o governo não nos protege em nossas posses legítimas, mas, pelo contrário, as toma para beneficiar aqueles que não têm direito a elas, como vimos em capítulos anteriores.

Se você acordasse amanhã de manhã e descobrisse que não existe mais governo, seu primeiro pensamento seria sair correndo para a rua e matar alguém? Não, você sabe que isso é um absurdo. Estamos falando de homens sãos e normais. O homem insano que quer matar não se pergunta primeiro se há ou não governo. Esses homens devem ser cuidados por médicos e especialistas; devem ser colocados em hospitais para serem tratados de sua doença.

É bem provável que, se você ou Johnson acordassem e descobrissem que não há mais governo, vocês se ocupassem em organizar suas vidas sob as novas condições.

É muito provável, é claro, que se você visse pessoas se empanturrando enquanto você passa fome, você exigiria a chance de comer, e estaria absolutamente certo em fazê-lo. E assim faria todo mundo, o que significa que as pessoas não tolerariam que alguém monopolizasse todas as boas coisas da vida: elas quereriam compartilhá-las. Isso significa ainda que os pobres se recusariam a continuar pobres enquanto outros vivem no luxo. Significa que o trabalhador se recusaria a entregar seu produto ao patrão que afirma “possuir” a fábrica e tudo o que nela é produzido. Significa que o agricultor não permitiria que milhares de acres permanecessem improdutivos enquanto ele não tem solo suficiente para sustentar a si mesmo e sua família. Significa que ninguém seria permitido monopolizar a terra ou a maquinaria de produção. Significa que a propriedade privada das fontes da vida não seria mais tolerada. Seria considerado o maior crime alguém possuir mais do que pode usar em uma dúzia de vidas, enquanto seus vizinhos não têm pão suficiente para seus filhos. Significa que todos os homens compartilhariam da riqueza social e que todos ajudariam a produzir essa riqueza.

Significa, em resumo, que pela primeira vez na história, o direito, a justiça e a igualdade triunfariam em vez da lei.

Você vê, portanto, que acabar com o governo também significa abolir o monopólio e a propriedade pessoal dos meios de produção e distribuição.

Segue-se que, quando o governo for abolido, a escravidão assalariada e o capitalismo também desaparecerão, porque eles não podem existir sem o apoio e a proteção do governo. Assim como o homem que tentaria monopolizar a ilha de que falei antes não poderia levar adiante sua reivindicação insana sem a ajuda do governo.

Uma condição de coisas em que haveria liberdade em vez de governo seria a Anarquia. E onde a igualdade de uso substituiria a propriedade privada, seria o Comunismo.

Seria o Anarquismo Comunista.

“Ah, Comunismo,” exclama seu amigo, “mas você disse que não era bolchevique!”

Não, eu não sou bolchevique, porque os bolcheviques querem um governo ou Estado poderoso, enquanto o Anarquismo significa eliminar totalmente o Estado ou governo.

“Mas os bolcheviques não são comunistas?” você pergunta.

Sim, os bolcheviques são comunistas, mas querem sua ditadura, seu governo, para obrigar as pessoas a viver em comunismo. O Anarquismo Comunista, pelo contrário, significa o comunismo voluntário, o comunismo por livre escolha.

“Entendo a diferença. Seria ótimo, é claro,” admite seu amigo. “Mas você acha realmente possível?”

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