Capítulo 16 — Os bolcheviques

Quem eram os bolcheviques e o que queriam?

Até o ano de 1903, os bolcheviques eram membros do Partido Socialista Russo; isto é, sociais-democratas, seguidores de Karl Marx e de seus ensinamentos. Naquele ano, o Partido Operário Social-Democrata da Rússia se dividiu por questões de organização e outros assuntos menores. Sob a liderança de Lênin, a oposição formou um novo partido, que se autodenominou Bolchevique. O antigo partido passou a ser conhecido como Menchevique.[5]

Os bolcheviques eram mais revolucionários que o partido-mãe do qual se separaram. Quando eclodiu a guerra mundial, eles não traíram a causa dos trabalhadores nem aderiram ao patriotismo chauvinista, como fez a maioria dos demais partidos socialistas. Para seu crédito, deve-se dizer que, assim como a maioria dos anarquistas e socialistas revolucionários de esquerda, os bolcheviques se opuseram à guerra com base no argumento de que o proletariado não tinha interesse nas disputas entre grupos capitalistas rivais. Quando começou a Revolução de Fevereiro, os bolcheviques perceberam que mudanças políticas por si só não resolveriam os problemas trabalhistas e sociais. Sabiam que trocar um governo por outro não ajudaria em nada. O que era necessário era uma mudança radical e fundamental.

Embora marxistas como seus meio-irmãos mencheviques (crentes nas teorias de Karl Marx), os bolcheviques não concordavam com os mencheviques em sua postura diante da grande revolta. Desprezavam a ideia de que a Rússia não poderia ter uma revolução proletária porque a indústria capitalista ainda não havia se desenvolvido plenamente no país. Compreendiam que não se tratava apenas de uma mudança política burguesa. Sabiam que o povo não estava satisfeito com a abolição do czar e tampouco com uma constituição. Percebiam que as coisas estavam se desenvolvendo além disso. Entendiam que a tomada de terras pelos camponeses e a crescente expropriação das classes possuidoras não significavam “reforma”. Mais próximos das massas que os mencheviques, os bolcheviques captavam melhor o pulso popular e julgavam com mais acerto o espírito e os propósitos dos grandiosos acontecimentos. Acima de todos, foi Lênin, o líder bolchevique, quem acreditava que o momento se aproximava em que ele e seu partido poderiam assumir as rédeas do governo e estabelecer o socialismo segundo o plano bolchevique.

O socialismo bolchevique significava a tomada do poder político pelos bolcheviques em nome do proletariado. Concordavam com os anarquistas que o comunismo seria o melhor sistema econômico; ou seja, a terra, as máquinas de produção e distribuição e todos os serviços públicos deveriam ser de propriedade comum, excluindo a posse privada desses bens. Mas enquanto os anarquistas queriam que o povo como um todo fosse o proprietário, os bolcheviques sustentavam que tudo deveria estar nas mãos do Estado, o que significava que o governo seria não apenas o governante político do país, mas também seu mestre industrial e econômico. Como marxistas, os bolcheviques acreditavam em um governo forte para dirigir o país, com poder absoluto sobre a vida e o destino das pessoas. Em outras palavras, a ideia bolchevique era uma ditadura, essa ditadura estando nas mãos deles próprios, de seu partido político.

Chamavam tal arranjo de “ditadura do proletariado”, porque seu partido, diziam, representava o melhor e mais avançado elemento, a vanguarda da classe trabalhadora, e por isso seu partido deveria ser o ditador em nome do proletariado.

A grande diferença entre os anarquistas e os bolcheviques era que os anarquistas queriam que as massas decidissem e administrassem seus próprios assuntos, por meio de suas próprias organizações, sem ordens de qualquer partido político. Queriam liberdade real e cooperação voluntária na propriedade comum. Os anarquistas, portanto, chamavam a si mesmos de comunistas livres ou anarquistas comunistas, enquanto os bolcheviques eram comunistas compulsórios, governamentais ou estatais. Os anarquistas não queriam nenhum Estado ditando ao povo, pois essa imposição, argumentavam, sempre significa tirania e opressão. Os bolcheviques, por outro lado, embora repudiassem o Estado capitalista e a ditadura burguesa, queriam que o Estado e a ditadura fossem seus, de seu partido.

Você pode, portanto, ver que há toda uma diferença entre os anarquistas e os bolcheviques. Os anarquistas são contrários a qualquer governo; os bolcheviques defendem fortemente o governo, desde que ele esteja em suas mãos. “Eles não são contra o porrete”, como um amigo espirituoso meu costuma dizer; “eles só querem estar na ponta certa dele”.

Mas os bolcheviques perceberam que as ideias e métodos defendidos pelos anarquistas eram sólidos e práticos, e que apenas tais métodos poderiam garantir o sucesso da revolução. Decidiram então fazer uso das ideias anarquistas para seus próprios fins. Assim aconteceu que, embora os anarquistas fossem fracos demais em número para alcançar as massas, conseguiram influenciar os bolcheviques, que logo começaram a advogar métodos e táticas anarquistas, fingindo, é claro, que eram suas.

Mas não eram suas. Pode-se dizer que não importa quem advogue ou ajude a pôr em prática uma ideia que beneficie o povo. Mas se você refletir um pouco perceberá que isso importa muito, como toda a história e particularmente a Revolução Russa provam.

Importa porque tudo depende dos motivos, do propósito e do espírito com que uma coisa é realizada. Mesmo a melhor ideia pode ser aplicada de forma a causar muito mal. Pois as massas, inflamadas pela grande ideia, podem não perceber como, de que maneira e por quais meios ela está sendo realizada. Mas se for executada com espírito errado ou por meios falsos, até mesmo a ideia mais nobre e sublime pode ser transformada em ruína para o país e seu povo.

Foi exatamente isso que aconteceu na Rússia. Os bolcheviques advogaram e em parte implementaram ideias anarquistas, mas os bolcheviques não eram anarquistas e, no fundo, não acreditavam nessas ideias. Usaram-nas para seus próprios fins — fins que não eram anarquistas, que eram de fato anti-anarquistas, contrários à ideia anarquista. Quais eram esses propósitos bolcheviques?

A ideia anarquista era acabar com toda forma de opressão, abolir o domínio de uma classe sobre outra, substituir o comando de homens sobre homens pela administração das coisas, garantir liberdade e bem-estar para todos. Os métodos anarquistas eram concebidos para alcançar esse resultado.

Os bolcheviques usaram os métodos anarquistas para um propósito totalmente diferente. Eles não queriam abolir o domínio político e o governo: apenas pretendiam colocá-lo em suas próprias mãos. Seu objetivo era, como já explicado, obter o controle do poder político por seu partido e estabelecer uma ditadura bolchevique. É necessário compreender isso muito claramente para entender o que aconteceu na Revolução Russa e por que a “ditadura do proletariado” rapidamente se tornou uma ditadura bolchevique sobre o proletariado.

Foi logo após a Revolução de Fevereiro que os bolcheviques começaram a proclamar princípios e táticas anarquistas. Entre eles estavam a “ação direta”, a “greve geral”, a “expropriação” e modos similares de ação das massas. Como mencionei, os bolcheviques, enquanto marxistas, não acreditavam nesses métodos. Pelo menos não acreditavam neles antes da Revolução. Durante anos, socialistas em toda parte, inclusive os bolcheviques, ridicularizaram a defesa anarquista da greve geral como a arma mais poderosa dos trabalhadores em sua luta contra a exploração capitalista e a opressão governamental. “A greve geral é um absurdo geral” era o grito de guerra dos socialistas contra os anarquistas. Os socialistas não queriam que os trabalhadores recorressem à ação direta das massas e à greve geral, pois isso poderia levar à revolução e à tomada das rédeas por conta própria. Os socialistas não desejavam nenhuma ação revolucionária independente por parte das massas. Defendiam a atividade política. Queriam que os trabalhadores os colocassem no poder, para que eles, os socialistas, pudessem realizar a revolução.

Se você folhear os escritos socialistas dos últimos quarenta anos, ficará convencido de que os socialistas sempre se opuseram à greve geral e à ação direta, assim como também eram contrários à expropriação e ao sindicalismo revolucionário, que é outro nome para os sovietes operários. Congressos socialistas aprovaram resoluções drásticas contra tais táticas revolucionárias, e agitadores socialistas as denunciaram ferozmente.

Mas os bolcheviques adotaram esses métodos anarquistas e começaram a advogá-los com nova convicção. Não, é claro, no início da Revolução, em fevereiro de 1917. Fizeram isso muito depois, quando perceberam que as massas não estavam satisfeitas com meras mudanças políticas e exigiam pão em vez de uma constituição. Os rápidos acontecimentos da Revolução obrigaram os bolcheviques a alinhar-se com as aspirações populares mais radicais, para não serem deixados para trás pela Revolução, como aconteceu com os mencheviques, os socialistas revolucionários de direita, os democratas constitucionais e outros reformistas.

Foi muito repentina essa aceitação bolchevique dos métodos anarquistas, porque até pouco tempo antes eles insistiam na convocação da Assembleia Constituinte. Durante meses após a Revolução de Fevereiro, exigiam a convocação de um corpo representativo para determinar a forma de governo que a Rússia teria. Era coerente que os bolcheviques apoiassem a Assembleia Constituinte, uma vez que eram marxistas e fingiam acreditar no governo da maioria. A Assembleia Constituinte seria eleita por todo o povo, e a maioria na Assembleia decidiria os rumos. Mas a verdadeira razão pela qual os bolcheviques agitaram em favor da Assembleia era que acreditavam que as massas estavam com eles e que, portanto, o Partido Bolchevique teria a maioria nela. Logo, no entanto, ficou claro que eles seriam uma minoria insignificante naquele órgão. Sua esperança de dominá-lo desapareceu. Como bons governamentalistas e crentes na regra da maioria, deveriam ter se curvado à vontade do povo. Mas isso não se encaixava nos planos de Lênin e seus aliados. Procuraram então outros meios de obter o controle do governo, e o primeiro passo foi iniciar uma agitação veemente contra a Assembleia Constituinte.

Com efeito, a Assembleia não poderia oferecer nada de valor ao país. Era uma mera máquina de palavras, desprovida de vitalidade, incapaz de realizar qualquer trabalho construtivo. A Revolução era um fato que existia fora e independente da Assembleia Constituinte, independente de qualquer corpo legislativo ou governamental. Ela começou e se desenvolveu apesar do governo e da constituição, apesar de toda oposição, em desafio à lei. Em todo seu caráter, era ilegal, antigorvernamental, até mesmo antigovernamental. A Revolução seguia os impulsos naturais e saudáveis do povo, suas necessidades e aspirações. No sentido mais verdadeiro, era anarquista em espírito e ação. Somente os anarquistas, esses hereges do governo que acreditam na liberdade e na iniciativa popular como cura para os males sociais, acolheram a Revolução como ela era e trabalharam por seu crescimento e aprofundamento, de modo a trazer toda a vida do país para dentro da esfera de sua influência.

Todos os outros partidos, incluindo os bolcheviques, tinham como único objetivo laçar o movimento revolucionário e amarrá-lo à sua própria carroça. Os bolcheviques precisavam do apoio das massas para conquistar o poder político para seu partido e proclamar a ditadura comunista. Vendo que não havia esperança de conseguir isso por meio da Assembleia Constituinte, voltaram-se contra ela, uniram-se aos anarquistas em sua condenação e, mais tarde, a dispersaram à força. Mas você pode perceber que, enquanto os anarquistas podiam fazer isso honestamente, em consonância com suas ideias antiestatais, ação semelhante por parte dos bolcheviques era hipocrisia flagrante e manobra política.

Junto com sua oposição à Assembleia Constituinte, os bolcheviques tomaram emprestadas do arsenal anarquista várias outras táticas militantes. Assim, proclamaram o grande grito de guerra “Todo o poder aos sovietes”, aconselharam os trabalhadores a ignorar e até desafiar o Governo Provisório, e a recorrer à ação direta de massa para levar adiante suas reivindicações. Ao mesmo tempo, também adotaram os métodos anarquistas da greve geral e agitaram energicamente pela “expropriação dos expropriadores”.

É importante lembrar que essas táticas dos bolcheviques não eram, como já destaquei, fruto lógico de suas ideias, mas apenas um meio de conquistar a confiança das massas com o objetivo de alcançar a dominação política. De fato, tais métodos eram realmente contrários às teorias marxistas e não eram sinceramente acreditados pelos bolcheviques. Portanto, não foi surpreendente que, uma vez no poder, tenham repudiado todas essas ideias e táticas anti-marxistas.

Os lemas anarquistas proclamados pelos bolcheviques não deixaram de produzir resultados. As massas se uniram à sua bandeira. De um partido quase sem influência, com seus principais líderes, Lênin e Zinoviev, desacreditados[6] e escondidos, com Trotsky e outros na prisão, rapidamente tornaram-se o fator mais importante no movimento do proletariado revolucionário.

Atentos às demandas das massas, particularmente dos soldados e operários, expressando suas necessidades com energia e persistência, os bolcheviques ganhavam cada vez mais influência entre o povo e nos sovietes, especialmente nos de Petrogrado e Moscou. A inatividade do Governo Provisório e sua falha em promover mudanças importantes agravavam o descontentamento geral e a indignação, que logo explodiriam em fúria. O caráter pusilânime do regime de Kerensky serviu para fortalecer as mãos dos bolcheviques nos sovietes. A ruptura entre estes e o governo crescia diariamente, evoluindo rapidamente para antagonismo aberto e luta.

A evidente impotência do governo, a decisão de Kerensky de renovar uma ofensiva no front, juntamente com a reintrodução da pena de morte por deserção militar, a perseguição aos elementos revolucionários e a prisão de seus líderes, tudo isso acelerou a crise. Em 3 de julho de 1917,[7] milhares de operários, soldados e marinheiros armados demonstraram nas ruas de Petrogrado, apesar da proibição governamental, exigindo “Todo o poder aos sovietes”. Kerensky tentou suprimir o movimento popular. Chegou a convocar regimentos “de confiança” do front para dar ao proletariado de Petrogrado uma “lição salutar”. Mas em vão foram todos os esforços da burguesia, representada por Kerensky, pelos líderes sociais-democratas e pelos socialistas revolucionários de direita, para conter a maré crescente. As manifestações de julho foram reprimidas, mas em pouco tempo o movimento revolucionário varreu o Governo Provisório. O soviete de soldados e operários de Petrogrado declarou o governo abolido, e Kerensky salvou sua vida apenas fugindo disfarçado.

As massas apoiaram o soviete de Petrogrado. O exemplo da capital logo foi seguido por Moscou, espalhando-se daí por todo o país.

Foi em 25 de outubro[8] que o Governo Provisório foi declarado abolido, seus membros presos, e o Palácio de Inverno tomado pelo comitê militar-revolucionário do soviete de Petrogrado. No mesmo dia, o Segundo Congresso Pan-Russo dos Sovietes abriu suas sessões. O governo político foi praticamente abolido na Rússia. Todo o poder agora estava nas mãos dos trabalhadores, soldados e camponeses representados no Congresso. Este imediatamente começou a considerar medidas para realizar a vontade das massas: encerrar a guerra, garantir a terra para os camponeses, as indústrias para os trabalhadores e estabelecer liberdade e bem-estar para todos.

Esse era o estado da Revolução Russa em outubro de 1917. Começando com a abolição do czar, foi se ampliando e desenvolvendo gradualmente em uma reorganização industrial e econômica completa do país. O espírito do povo e suas necessidades traçaram o progresso da Revolução rumo à reconstrução da vida com base na liberdade política, igualdade econômica e justiça social.

Isso só poderia ser realizado, como as grandes mudanças anteriores, de fevereiro a outubro, haviam sido: pelo esforço conjunto e cooperação livre dos trabalhadores e camponeses, agora unidos à maior parte do exército.

Mas tal desenvolvimento não fazia parte dos planos dos bolcheviques. Como já explicado, seu objetivo era estabelecer uma ditadura exercida por seu partido. Mas uma ditadura significa imposição, a vontade do governante imposta ao país. Os bolcheviques agora se sentiam suficientemente fortes para realizar seu verdadeiro objetivo. Abandonaram os lemas revolucionários e anarquistas. Era necessário, declararam, um poder político vigoroso para levar adiante a obra da Revolução. Sob o pretexto de proteger o povo contra os monarquistas e a burguesia, começaram a aplicar medidas repressivas. De fato, não havia apoiadores do czar ou monarquistas dignos de menção na Rússia. O povo havia superado o czarismo, e não havia mais qualquer chance para uma monarquia no país. Quanto à burguesia, nunca houve uma classe capitalista organizada na Rússia, como existe em países industrialmente desenvolvidos — nos Estados Unidos, Inglaterra, França e Alemanha. A burguesia russa era pequena em número e fraca. Continuou a existir após a Revolução de Fevereiro apenas pela proteção do Governo de Kerensky. No momento em que este foi abolido, a burguesia se desfez. Não tinha força nem meios para impedir a expropriação de suas terras e fábricas por camponeses e trabalhadores. Por mais estranho que pareça, é fato que durante todo esse período da Revolução a burguesia russa não fez qualquer tentativa organizada e efetiva de recuperar suas posses.[9]

Considere como teria sido diferente na América. Lá, os capitalistas, que são fortes e bem organizados, ofereceriam a maior resistência. Formariam corpos de defesa para proteger a si mesmos e seus interesses com armas. Não tenho dúvida de que farão isso quando as coisas começarem a acontecer lá como aconteceram na Rússia em 1917. Não que tenham sucesso, contudo. Mas, como eu dizia, a Revolução na Rússia não produziu resistência burguesa organizada e eficaz por uma razão simples: não havia uma verdadeira burguesia ou classe capitalista no país. Houve, sim, tentativas militares, como a do general czarista Kornilov, que tentou atacar Petrogrado com cossacos trazidos do front, mas essa aventura foi tão inofensiva que o exército de Kornilov se dissolveu antes mesmo de alcançar a capital. Seus homens se juntaram à guarnição revolucionária de Petrogrado quase sem disparar um tiro.[10]

A questão é que, quando as massas estão com a Revolução, não pode haver pensamento de resistência bem-sucedida por qualquer inimigo, nenhuma chance de suprimir a Revolução. Essa era a situação na Rússia em outubro de 1917, quando os sovietes assumiram o poder.

O plano bolchevique era obter controle total e exclusivo do governo para seu partido. Isso não se encaixava no seu projeto permitir que o próprio povo administrasse as coisas por meio de suas organizações soviéticas. Enquanto os sovietes tivessem plena autoridade, os bolcheviques não poderiam alcançar seu objetivo. Era, portanto, necessário ou abolir os sovietes ou assumir o controle sobre eles.

Abolir os sovietes era impossível. Eles representavam as massas trabalhadoras; a ideia soviética era um sonho acalentado pelo povo russo há séculos. Mesmo no passado remoto, a Rússia teve sovietes de vários tipos, e toda a vida da aldeia era construída sobre o princípio soviético; isto é, no direito igual e na representação igual de todos os membros. O antigo mir russo, a assembleia pública para tratar dos assuntos da vila ou cidade, era uma das formas da ideia soviética.

Os bolcheviques sabiam que os operários e camponeses revolucionários, bem como os soldados (que eram operários e camponeses em uniforme), não tolerariam a abolição de seus sovietes. Restava apenas a alternativa de assumir o controle sobre eles. Seguindo o princípio de Lênin de que “os fins justificam os meios”, os bolcheviques não hesitaram em empregar quaisquer métodos para desacreditar e eliminar os outros elementos revolucionários dos sovietes. Conduziram uma campanha persistente de veneno e difamação com o propósito de iludir as massas e voltá-las contra os outros partidos, particularmente contra os socialistas revolucionários de esquerda e os anarquistas. De maneira sistemática e pelos meios mais jesuíticos, procuraram tornar-se o único poder, a fim de poder realizar o esquema de Lênin de “ditadura do proletariado”.

Com tais táticas, os bolcheviques finalmente conseguiram organizar um Soviete de Comissários do Povo, que na realidade se tornou o novo governo. Todos os seus membros eram bolcheviques, com duas exceções menores: os Comissariados da Justiça e da Agricultura eram dirigidos por socialistas revolucionários de esquerda. Pouco tempo depois, esses também foram eliminados e substituídos por bolcheviques. O Soviete de Comissários do Povo era a máquina política do Partido Bolchevique, que então foi rebatizado como Partido Comunista da Rússia.

O que esse Partido Comunista representava, quais eram seus objetivos e propósitos, nós já sabemos. Ele declarava abertamente sua determinação de assegurar a dominação exclusiva dos bolcheviques sob o rótulo de “ditadura do proletariado”.

Isso foi fatal para a Revolução e seu grande objetivo de uma profunda reconstrução social e econômica, como a história subsequente da Rússia demonstrou.

Por quê?


[5] Da palavra russa bolshe, que significa “mais” ou maioria; menshe significa “menos”.

[6] Devido à acusação amplamente difundida, mas falsa, de que Lênin estaria a serviço da Alemanha.

[7] 16 de julho, no calendário moderno.

[8] 7 de novembro, no calendário moderno.

[9] No sul da Rússia (Ucrânia), a burguesia ofereceu alguma resistência, mas apenas durante o governo dos hetmans Skoropadsky e Petliura, com o apoio dos exércitos aliados. Assim que a ajuda estrangeira foi retirada, a burguesia ucraniana também ficou impotente.

[10] A contrarrevolução real começou bem mais tarde, quando o terror e a ditadura bolcheviques estavam em pleno vigor, o que alienou as massas e resultou em insurreições.

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