“Preparar-se para a revolução!”, exclama seu amigo; “isso é possível?”
Sim. Não apenas é possível, como absolutamente necessário.
“Você está se referindo a preparativos secretos, bandos armados e homens para liderar a luta?”, você pergunta.
Não, meu amigo, nada disso.
Se a revolução social significasse apenas batalhas nas ruas e barricadas, então os preparativos que você tem em mente seriam adequados. Mas revolução não significa isso; pelo menos, a fase de luta é a menor e menos importante parte.
A verdade é que, nos tempos modernos, revolução não significa mais barricadas. Elas pertencem ao passado. A revolução social é algo bem diferente e mais essencial: envolve a reorganização de toda a vida da sociedade. Você há de concordar que isso certamente não se realiza apenas com lutas.
Claro que os obstáculos no caminho da reconstrução social precisam ser removidos. Isso quer dizer que os meios dessa reconstrução devem ser conquistados pelas massas. Esses meios estão, no momento, nas mãos do governo e do capitalismo, e estes resistirão a qualquer esforço para serem privados de seu poder e posses. Essa resistência implicará em luta. Mas lembre-se de que a luta não é o principal, não é o objetivo, não é a revolução. É apenas o prefácio, o preliminar dela.
É muito necessário que você entenda isso corretamente. A maioria das pessoas tem noções muito confusas sobre revolução. Para elas, significa apenas lutar, quebrar coisas, destruir. É como se arregaçar as mangas para o trabalho fosse considerado o próprio trabalho que você tem a fazer. A parte de luta da revolução é apenas o ato de arregaçar as mangas. A tarefa real e concreta está por vir.
Qual é essa tarefa?
“A destruição das condições existentes”, você responde.
Verdade. Mas condições não são destruídas quebrando e esmagando coisas. Você não pode destruir a escravidão assalariada destruindo as máquinas em fábricas e usinas, pode? Você não vai destruir o governo ateando fogo à Casa Branca.
Pensar na revolução em termos de violência e destruição é interpretar mal e falsificar completamente sua ideia. Na aplicação prática, tal concepção certamente levará a resultados desastrosos.
Quando um grande pensador, como o famoso anarquista Bakunin, fala da revolução como destruição, ele tem em mente as ideias de autoridade e obediência que devem ser destruídas. É por essa razão que ele disse que destruir significa construir, pois destruir uma crença falsa é de fato um trabalho altamente construtivo.
Mas o homem comum, e com demasiada frequência até mesmo o revolucionário, fala descuidadamente da revolução como sendo exclusivamente destrutiva no sentido físico da palavra. Essa é uma visão errada e perigosa. Quanto mais cedo nos livrarmos dela, melhor.
Revolução, e particularmente a revolução social, não é destruição, mas construção. Isso não pode ser enfatizado o suficiente, e a menos que percebamos isso claramente, a revolução continuará sendo apenas destrutiva e, portanto, sempre um fracasso. Naturalmente a revolução é acompanhada de violência, mas seria como dizer que construir uma nova casa no lugar de uma velha é um ato destrutivo apenas porque você teve primeiro que derrubar a antiga. A revolução é o ponto culminante de certo processo evolutivo: ela começa com uma convulsão violenta. É o arregaçar de mangas preparatório para iniciar o trabalho real.
De fato, considere o que a revolução social deve fazer, o que ela deve realizar, e você perceberá que ela vem não para destruir, mas para construir.
O que, realmente, há para destruir?
A riqueza dos ricos? Não, isso é algo que queremos que toda a sociedade desfrute.
A terra, os campos, as minas de carvão, as ferrovias, fábricas, usinas e oficinas? Estes não queremos destruir, mas tornar úteis para todo o povo.
Os telégrafos, telefones, os meios de comunicação e distribuição — queremos destruí-los? Não, queremos que sirvam às necessidades de todos.
O que, então, a revolução social deve destruir? Ela deve tomar posse das coisas para o benefício geral, não destruí-las. Deve reorganizar as condições para o bem-estar público.
Não destruir é o objetivo da revolução, mas reconstruir e edificar.
É para isso que é necessária a preparação, porque a revolução social não é o Messias bíblico que vai cumprir sua missão por simples decreto ou ordem. A revolução trabalha com as mãos e cérebros dos homens. E esses precisam entender os objetivos da revolução para poder realizá-los. Terão que saber o que querem e como alcançar isso. O caminho a ser seguido será indicado pelos objetivos a serem alcançados. Pois o fim determina os meios, assim como você precisa semear uma semente específica para colher aquilo de que precisa.
Qual deve ser, então, a preparação para a revolução social?
Se seu objetivo é conquistar a liberdade, você deve aprender a viver sem autoridade e imposição. Se pretende viver em paz e harmonia com seus semelhantes, você e eles devem cultivar a fraternidade e o respeito mútuo. Se deseja trabalhar com eles para benefício mútuo, deve praticar a cooperação. A revolução social significa muito mais do que apenas a reorganização das condições: significa o estabelecimento de novos valores humanos e relações sociais, uma mudança na atitude de um homem para com outro, como de um ser livre e independente para com seu igual; significa um espírito diferente na vida individual e coletiva, e esse espírito não nasce do dia para a noite. É um espírito que deve ser cultivado, nutrido e criado, como se cultiva a mais delicada das flores, pois de fato é a flor de uma nova e bela existência.
Não se engane com a noção tola de que “as coisas se ajeitam sozinhas”. Nada jamais se ajeita por conta própria, muito menos as relações humanas. São os homens que ajeitam as coisas, e o fazem de acordo com sua atitude e compreensão dos fatos.
Novas situações e condições nos fazem sentir, pensar e agir de forma diferente. Mas as novas condições só surgem como resultado de novos sentimentos e ideias. A revolução social é uma dessas novas condições. Precisamos aprender a pensar de modo diferente antes que a revolução possa acontecer. Só isso pode trazer a revolução.
Precisamos aprender a pensar de forma diferente sobre governo e autoridade, pois enquanto pensarmos e agirmos como fazemos hoje, haverá intolerância, perseguição e opressão, mesmo que o governo organizado seja abolido. Precisamos aprender a respeitar a humanidade do nosso semelhante, a não invadi-lo nem coagi-lo, a considerar sua liberdade tão sagrada quanto a nossa; a respeitar sua autonomia e personalidade, a renunciar à imposição sob qualquer forma; a compreender que o remédio para os males da liberdade é mais liberdade, que a liberdade é a mãe da ordem.
E além disso, precisamos aprender que igualdade significa igualdade de oportunidades, que o monopólio é a negação disso, e que apenas a fraternidade assegura a igualdade. Só podemos aprender isso nos libertando das ideias falsas do capitalismo e da propriedade, do “meu” e do “teu”, da concepção estreita de posse.
Ao aprender isso, cresceremos no espírito da verdadeira liberdade e solidariedade, e entenderemos que a associação livre é a alma de toda realização. Então perceberemos que a revolução social é obra de cooperação, de propósito solidário, de esforço mútuo.
Talvez você pense que esse processo é muito lento, uma tarefa que levará tempo demais. Sim, devo admitir que é uma tarefa difícil. Mas pergunte a si mesmo se é melhor construir sua nova casa rápida e malfeita e vê-la desmoronar sobre sua cabeça, ou construí-la com eficiência, mesmo que exija mais trabalho e tempo.
Lembre-se de que a revolução social representa a liberdade e o bem-estar de toda a humanidade, que a emancipação completa e final do trabalho depende dela. Considere também que, se o trabalho for malfeito, todo o esforço e sofrimento envolvidos serão em vão — e talvez até pior que em vão — pois fazer uma revolução de qualquer jeito significa colocar uma nova tirania no lugar da antiga, e novas tiranias, por serem novas, têm um novo fôlego de vida. Significa forjar novas correntes, mais fortes do que as antigas.
Considere também que a revolução social que temos em mente visa realizar o trabalho pelo qual muitas gerações de homens têm lutado, pois toda a história da humanidade tem sido uma luta da liberdade contra a servidão, do bem-estar social contra a pobreza e a miséria, da justiça contra a iniquidade. O que chamamos de progresso tem sido uma marcha dolorosa, mas contínua, na direção da limitação da autoridade e do poder do governo e da ampliação dos direitos e liberdades do indivíduo, das massas. Tem sido uma luta que levou milhares de anos. A razão pela qual levou tanto tempo — e ainda não terminou — é que as pessoas não sabiam qual era o verdadeiro problema: lutaram contra isso e a favor daquilo, mudaram reis e formaram novos governos, depuseram um governante apenas para colocar outro no lugar, expulsaram um opressor “estrangeiro” apenas para sofrer o jugo de um nacional, aboliram uma forma de tirania, como os czares, e se submeteram à de uma ditadura partidária, e sempre e constantemente derramaram seu sangue e heroicamente sacrificaram suas vidas na esperança de conquistar liberdade e bem-estar.
Mas só conseguiram novos senhores, porque, por mais desesperadamente e nobremente que lutassem, nunca tocaram a verdadeira origem do problema, o princípio da autoridade e do governo. Eles não sabiam que isso era a fonte da escravidão e da opressão, e, portanto, nunca conseguiram alcançar a liberdade.
Mas agora entendemos que a verdadeira liberdade não é uma questão de trocar reis ou governantes. Sabemos que todo o sistema de senhores e escravos deve acabar, que todo o esquema social está errado, que governo e imposição devem ser abolidos, que os próprios alicerces da autoridade e do monopólio devem ser extirpados. Você ainda acha que qualquer tipo de preparação para uma tarefa tão grandiosa pode ser difícil demais?
Compreendamos, então, plenamente quão importante é se preparar para a revolução social — e prepararmo-nos do modo certo.
“Mas qual é o modo certo?”, você exige. “E quem deve se preparar?”
Quem deve se preparar? Antes de tudo, você e eu — aqueles que estão interessados no sucesso da revolução, os que querem ajudar a realizá-la. E você e eu significa todo homem e mulher; ao menos toda pessoa decente, todo aquele que odeia a opressão e ama a liberdade, todo aquele que não suporta a miséria e a injustiça que hoje dominam o mundo.
E, acima de tudo, são aqueles que mais sofrem com as condições existentes, com a escravidão assalariada, a sujeição e a indignidade.
“Os trabalhadores, claro”, você diz.
Sim, os trabalhadores. Como as maiores vítimas das instituições atuais, é de seu interesse próprio aboli-las. Foi dito com verdade que “a emancipação dos trabalhadores deve ser realizada pelos próprios trabalhadores”, pois nenhuma outra classe social fará isso por eles. Ainda assim, a emancipação do trabalho significa, ao mesmo tempo, a redenção de toda a sociedade, e é por isso que algumas pessoas falam da “missão histórica” do trabalho para construir um futuro melhor.
Mas “missão” é a palavra errada. Ela sugere um dever ou tarefa imposto de fora, por algum poder externo. É uma concepção falsa e enganosa, essencialmente um sentimento religioso e metafísico. De fato, se a emancipação do trabalho é uma “missão histórica”, então a história cuidará de realizá-la não importando o que pensemos, sintamos ou façamos a respeito. Essa atitude torna o esforço humano desnecessário, supérfluo; porque “o que tem de ser, será”. Tal noção fatalista destrói toda iniciativa e o exercício da mente e da vontade.
É uma ideia perigosa e prejudicial. Não há poder fora do homem que possa libertá-lo, nenhum que possa encarregá-lo de qualquer “missão”. Nem o céu nem a história podem fazer isso. A história é a narrativa do que já aconteceu. Ela pode ensinar uma lição, mas não impor uma tarefa. Não é uma “missão”, mas o interesse do proletariado emancipar-se da escravidão. Se o trabalho não buscar conscientemente e ativamente por isso, isso nunca “acontecerá”. É necessário nos libertarmos da noção estúpida e falsa de “missões históricas”. Somente ao crescer para uma verdadeira compreensão de sua posição atual, visualizando suas possibilidades e poderes, aprendendo união e cooperação e praticando-as, é que as massas poderão alcançar a liberdade. Ao fazer isso, também libertarão o restante da humanidade.
Por isso, a luta proletária é uma questão de todos, e todos os homens e mulheres sinceros devem, portanto, colocar-se a serviço do trabalho em sua grande tarefa. De fato, embora apenas os trabalhadores possam realizar a obra de emancipação, eles precisam da ajuda de outros grupos sociais. Pois é preciso lembrar que a revolução enfrenta o difícil problema de reorganizar o mundo e construir uma nova civilização — uma obra que exigirá a maior integridade revolucionária e a cooperação inteligente de todos os elementos bem-intencionados e amantes da liberdade. Já sabemos que a revolução social não é uma questão apenas de abolir o capitalismo. Podemos até expulsar o capitalismo, como o feudalismo foi derrubado, e ainda assim continuarmos escravos como antes. Em vez de sermos, como hoje, servos do monopólio privado, podemos tornar-nos servos do capitalismo estatal, como aconteceu, por exemplo, com o povo da Rússia, e como as condições estão se desenvolvendo na Itália e em outras terras.
A revolução social, nunca se deve esquecer, não é para trocar uma forma de sujeição por outra, mas para acabar com tudo que possa escravizar e oprimir você.
Uma revolução política pode ser levada a cabo com sucesso por uma minoria conspiratória, trocando uma facção governante por outra. Mas a revolução social não é uma simples mudança política: é uma transformação econômica, ética e cultural fundamental. Uma minoria conspiratória ou partido político que empreenda tal obra encontrará a oposição ativa e passiva da grande maioria e, portanto, degenerará em um sistema de ditadura e terror.
Diante de uma maioria hostil, a revolução social está condenada ao fracasso desde o início. Isso significa, então, que o primeiro trabalho preparatório da revolução consiste em conquistar as massas em geral a favor da revolução e de seus objetivos, conquistá-las ao menos a ponto de neutralizá-las, de transformá-las de inimigas ativas em simpatizantes passivos, de modo que não lutem contra a revolução, mesmo que não lutem por ela.
O trabalho real e positivo da revolução social deve, é claro, ser realizado pelos próprios trabalhadores, pelo povo laborioso. E aqui devemos lembrar que não é apenas o operário fabril que pertence ao trabalho, mas também o trabalhador rural. Alguns radicais tendem a dar ênfase excessiva ao proletariado industrial, quase ignorando a existência do trabalhador agrícola. No entanto, o que poderia o operário de fábrica realizar sem o agricultor? A agricultura é a fonte primária da vida, e a cidade morreria de fome sem o campo. É inútil comparar o trabalhador industrial com o trabalhador do campo ou discutir seu valor relativo. Um não pode viver sem o outro; ambos são igualmente importantes no esquema da vida e igualmente essenciais na revolução e na construção de uma nova sociedade.
É verdade que a revolução irrompe primeiro em localidades industriais antes que nas agrícolas. Isso é natural, já que são maiores centros populacionais e, portanto, de maior insatisfação popular. Mas se o proletariado industrial é a vanguarda da revolução, então o trabalhador do campo é sua espinha dorsal. Se este estiver fraco ou quebrado, a vanguarda — a própria revolução — estará perdida.
Portanto, o trabalho da revolução social está nas mãos de ambos: o trabalhador industrial e o trabalhador rural. Infelizmente, deve-se admitir que há muito pouco entendimento e quase nenhuma amizade ou cooperação direta entre os dois. Pior ainda — e sem dúvida como resultado disso — há certa antipatia e antagonismo entre os proletários do campo e da fábrica. O homem da cidade tem pouca apreciação pelo trabalho duro e exaustivo do agricultor. Este, por sua vez, ressente-se disso instintivamente; além disso, não estando familiarizado com o árduo e muitas vezes perigoso trabalho fabril, tende a ver o trabalhador urbano como um ocioso. Uma aproximação mais estreita e um melhor entendimento entre os dois é absolutamente vital. O capitalismo prospera não tanto na divisão do trabalho, mas na divisão dos trabalhadores. Procura incitar raça contra raça, o operário fabril contra o agricultor, o trabalhador contra o especialista, os trabalhadores de um país contra os de outro. A força da classe exploradora está no trabalho dividido e desunido. Mas a revolução social requer a unidade das massas trabalhadoras, e antes de tudo, a cooperação do proletário fabril com seu irmão do campo.
Uma aproximação mais estreita entre os dois é um passo importante na preparação para a revolução social. O contato real entre eles é de importância fundamental. Conselhos conjuntos, intercâmbio de delegados, um sistema de cooperativas e outros métodos semelhantes tenderiam a formar um vínculo mais próximo e um melhor entendimento entre o operário e o agricultor.
Mas não é apenas a cooperação entre o proletário fabril e o trabalhador rural que é necessária para a revolução. Há outro elemento absolutamente indispensável em seu trabalho construtivo: é a mente treinada do profissional.
Não cometa o erro de pensar que o mundo foi construído apenas com as mãos. Ele também exigiu cérebros. Da mesma forma, a revolução precisa tanto do homem de força quanto do homem de intelecto. Muitas pessoas imaginam que o trabalhador manual sozinho pode fazer todo o trabalho da sociedade. Isso é uma falsa ideia, um erro muito grave que pode causar inúmeros males. De fato, essa concepção já causou grandes males em ocasiões anteriores, e há bons motivos para temer que possa arruinar os melhores esforços da revolução.
A classe trabalhadora é composta pelos assalariados industriais e pelos trabalhadores agrícolas. Mas os trabalhadores precisam dos serviços dos elementos profissionais, do organizador industrial, do engenheiro elétrico e mecânico, do técnico especializado, do cientista, do inventor, do químico, do educador, do médico e do cirurgião. Em resumo, o proletariado precisa absolutamente da ajuda de certos elementos profissionais sem os quais nenhum trabalho produtivo é possível.
A maioria desses profissionais, na realidade, também pertence ao proletariado. Eles são o proletariado intelectual, o proletariado do cérebro. É claro que não faz diferença se alguém ganha a vida com as mãos ou com a cabeça. Na verdade, nenhum trabalho é feito apenas com as mãos ou apenas com o cérebro. A aplicação de ambos é necessária em todo tipo de esforço. O carpinteiro, por exemplo, precisa estimar, medir e calcular durante sua tarefa: ele precisa usar tanto as mãos quanto o cérebro. Da mesma forma, o arquiteto deve conceber seu plano antes que possa ser desenhado no papel e posto em uso prático.
“Mas só o trabalho produz”, seu amigo objeta; “o trabalho intelectual não é produtivo.”
Errado, meu amigo. Nem o trabalho manual nem o trabalho intelectual podem produzir algo sozinhos. É preciso que ambos trabalhem juntos para criar algo. O pedreiro e o mestre de obras não podem construir a fábrica sem os planos do arquiteto, nem o arquiteto pode erguer uma ponte sem o trabalhador do ferro e do aço. Nenhum dos dois pode produzir sozinho. Mas juntos, podem realizar maravilhas.
Além disso, não caia no erro de acreditar que apenas o trabalho produtivo tem valor. Há muito trabalho que não é diretamente produtivo, mas que é útil e até absolutamente necessário à nossa existência e conforto, sendo, portanto, tão importante quanto o trabalho produtivo.
Tome o engenheiro ferroviário e o empreiteiro, por exemplo. Eles não são produtores, mas são fatores essenciais no sistema de produção. Sem os trens e outros meios de transporte e comunicação, não poderíamos gerir nem a produção nem a distribuição.
Produção e distribuição são dois pontos do mesmo eixo vital. O trabalho necessário para uma é tão importante quanto para a outra.
O que eu disse acima aplica-se a inúmeras fases do esforço humano que, embora não sejam diretamente produtivas, desempenham papel vital nos múltiplos processos de nossa vida econômica e social. O homem de ciência, o educador, o médico e o cirurgião não são produtivos no sentido industrial da palavra. Mas seu trabalho é absolutamente necessário à nossa vida e bem-estar. A sociedade civilizada não poderia existir sem eles.
É, portanto, evidente que o trabalho útil é igualmente importante, seja ele de mente ou de força, manual ou intelectual. Tampouco importa se se recebe salário ou ordenado, se se é pago muito ou pouco, ou quais sejam suas opiniões políticas ou de outro tipo.
Todos os elementos que possam contribuir com trabalho útil para o bem-estar geral são necessários à revolução para a construção da nova vida. Nenhuma revolução pode ter êxito sem sua cooperação solidária, e quanto mais cedo compreendermos isso, melhor. A reconstrução da sociedade envolve a reorganização da indústria, o funcionamento adequado da produção, a gestão da distribuição e inúmeros outros esforços sociais, educacionais e culturais para transformar a atual escravidão assalariada e servidão numa vida de liberdade e bem-estar. Somente trabalhando lado a lado o proletariado do cérebro e do músculo poderá resolver esses problemas.
É profundamente lamentável que exista um espírito de hostilidade, até de inimizade, entre os trabalhadores manuais e intelectuais. Esse sentimento está enraizado na falta de compreensão, em preconceitos e estreiteza de visão de ambos os lados. É triste admitir que há uma tendência em certos círculos trabalhistas, até mesmo entre alguns socialistas e anarquistas, de incitar os trabalhadores contra os membros do proletariado intelectual. Tal atitude é estúpida e criminosa, pois só pode prejudicar o crescimento e o desenvolvimento da revolução social. Foi um dos erros fatais dos bolcheviques, durante as primeiras fases da Revolução Russa, o fato de terem deliberadamente colocado os assalariados contra as classes profissionais, a tal ponto que a cooperação amigável tornou-se impossível. Um resultado direto dessa política foi o colapso da indústria por falta de direção inteligente, bem como a quase total paralisação da comunicação ferroviária devido à ausência de gestão qualificada. Diante do naufrágio econômico da Rússia, Lênin concluiu que o operário fabril e o camponês sozinhos não podiam sustentar a vida industrial e agrícola do país, e que a ajuda dos elementos profissionais era necessária. Ele introduziu um novo sistema para atrair os técnicos ao trabalho de reconstrução. Mas a mudança veio quase tarde demais, pois os anos de ódio e perseguição mútuos haviam criado um abismo tão grande entre o trabalhador manual e seu irmão intelectual que o entendimento comum e a cooperação tornaram-se excepcionalmente difíceis. A Rússia precisou de anos de esforço heroico para desfazer, em parte, os efeitos dessa guerra fratricida.
Que aprendamos essa valiosa lição da experiência russa.
“Mas os profissionais pertencem às classes médias”, você objeta, “e têm mentalidade burguesa.”
Verdade, os profissionais geralmente têm uma atitude burguesa diante das coisas; mas não têm também a maioria dos operários? Isso apenas significa que ambos estão imersos em preconceitos autoritários e capitalistas. É justamente isso que deve ser erradicado por meio da iluminação e da educação do povo, sejam eles trabalhadores manuais ou intelectuais. Esse é o primeiro passo na preparação para a revolução social.
Mas não é verdade que os profissionais, enquanto tais, pertençam necessariamente às classes médias.
Os interesses reais dos chamados intelectuais estão mais próximos dos trabalhadores do que dos patrões. É certo que a maioria deles não percebe isso. Mas também o condutor de trem ou o maquinista, relativamente bem pagos, não se sentem membros da classe trabalhadora. Pela renda e atitude, também pertencem à burguesia. Mas não é a renda ou o sentimento que determina a qual classe social uma pessoa pertence. Se um mendigo de rua se imaginasse milionário, isso o tornaria um? O que alguém imagina ser não altera sua situação real. E a situação real é que quem tem de vender sua força de trabalho é um empregado, um dependente assalariado, e, como tal, seus verdadeiros interesses são os dos empregados — ele pertence à classe trabalhadora.
De fato, o proletário intelectual é ainda mais sujeito ao seu patrão capitalista do que o homem com picareta e pá. Este pode mudar facilmente de emprego. Se não quiser trabalhar para certo patrão, pode procurar outro. O proletário intelectual, por outro lado, é muito mais dependente de seu trabalho específico. Seu campo de atuação é mais limitado. Sem habilidades manuais e fisicamente incapaz de atuar como trabalhador braçal, ele está (em geral) restrito ao campo relativamente estreito da arquitetura, engenharia, jornalismo ou algo semelhante. Isso o coloca mais à mercê de seu empregador e, por isso, também o inclina a tomar o partido deste contra seu colega de ofício mais independente.
Mas qualquer que seja a atitude do intelectual assalariado e dependente, ele pertence à classe proletária. Ainda assim, é completamente falso afirmar que os intelectuais estão sempre do lado dos patrões contra os trabalhadores. “Em geral, sim”, ouço algum fanático radical intervir. E os trabalhadores? Eles não apoiam, em geral, os patrões e o sistema capitalista? Esse sistema poderia continuar sem o apoio deles? Mas seria errado concluir, por isso, que os trabalhadores conscientemente dão as mãos a seus exploradores. O mesmo vale para os intelectuais. Se a maioria deles apoia a classe dominante, é por ignorância social, porque não compreendem seus próprios interesses — apesar de toda a sua “intelectualidade”. Do mesmo modo, as grandes massas trabalhadoras, igualmente alheias aos seus verdadeiros interesses, ajudam os patrões contra seus próprios companheiros, às vezes até da mesma profissão e fábrica, sem falar na falta de solidariedade nacional e internacional. Isso apenas prova que ambos, o trabalhador manual e o proletário do cérebro, precisam de esclarecimento.
Em justiça aos intelectuais, não esqueçamos que seus melhores representantes sempre estiveram ao lado dos oprimidos. Defenderam a liberdade e a emancipação, e muitas vezes foram os primeiros a dar voz às mais profundas aspirações das massas laboriosas. Na luta pela liberdade, frequentemente lutaram nas barricadas ombro a ombro com os trabalhadores e morreram defendendo sua causa.
Não precisamos procurar muito para encontrar provas disso. É fato conhecido que todo movimento progressista, radical e revolucionário dos últimos cem anos foi inspirado, mental e espiritualmente, pelos esforços do melhor elemento das classes intelectuais. Os iniciadores e organizadores do movimento revolucionário na Rússia, por exemplo, que remonta a um século atrás, eram intelectuais, homens e mulheres de origem e posição não proletária. E seu amor pela liberdade não era meramente teórico. Literalmente milhares deles consagraram seu conhecimento e experiência, e dedicaram suas vidas, ao serviço das massas. Não há terra onde tais homens e mulheres nobres não tenham testemunhado sua solidariedade com os deserdados ao se exporem à ira e perseguição de sua própria classe e darem as mãos aos oprimidos. A história recente, assim como a passada, está cheia de exemplos assim. Quem foram os Garibaldis, os Kossuths, os Liebknechts, Rosa Luxemburgs, os Landauers, os Lenins e Trotskys, senão intelectuais das classes médias que se entregaram ao proletariado? A história de cada país e de cada revolução brilha com sua devoção desinteressada à liberdade e ao trabalho.
Tenhamos esses fatos em mente e não nos deixemos cegar por preconceitos fanáticos e antagonismos infundados. O intelectual prestou grandes serviços ao trabalho no passado. Dependerá da atitude dos trabalhadores em relação a ele o grau de contribuição que poderá — e desejará — oferecer à preparação e realização da revolução social.
- Informações
- Prefácio
- Introdução
- Capítulo 1 — O que você quer da vida?
- Capítulo 2 — O sistema de salários
- Capítulo 3 — Lei e governo
- Capítulo 4 — Como o sistema funciona
- Capítulo 5 — Desemprego
- Capítulo 6 — Guerra?
- Capítulo 7 — Igreja e escola
- Capítulo 8 — Justiça
- Capítulo 9 — A igreja pode ajudá-lo?
- Capítulo 10 — O reformador e o político
- Capítulo 11 — O sindicato
- Capítulo 12 — De quem é o poder?
- Capítulo 13 — Socialismo
- Capítulo 14 — A Revolução de Fevereiro
- Capítulo 15 — Entre fevereiro e outubro
- Capítulo 16 — Os bolcheviques
- Capítulo 17 — Revolução e ditadura
- Capítulo 18 — A ditadura em ação
- Capítulo 19 — O anarquismo é violência?
- Capítulo 20 — O que é o anarquismo?
- Capítulo 21 — A anarquia é possível?
- Capítulo 22 — O anarquismo comunista vai funcionar?
- Capítulo 23 — Anarquistas não-comunistas
- Capítulo 24 — Por que a revolução?
- Capítulo 25 — A ideia é o essencial
- Capítulo 26 — Preparação
- Capítulo 27 — Organização do trabalho para a revolução social
- Capítulo 28 — Princípios e prática
- Capítulo 29 — Consumo e troca
- Capítulo 30 — Produção
- Capítulo 31 — Defesa da revolução