Mas olhe mais de perto e veja como o sistema realmente “funciona”.
Considere como a vida e seu verdadeiro significado foram virados de cabeça para baixo. Veja como a sua própria existência é envenenada e tornada miserável por esse arranjo insano.
Qual é o propósito da sua vida, onde está a sua alegria?
A terra é rica e bela, o brilho do sol deveria alegrar seu coração. O gênio e o trabalho humano conquistaram as forças da natureza e dominaram o relâmpago e o ar para o serviço da humanidade. A ciência e a invenção, a indústria humana e o esforço produziram riquezas incalculáveis. Cruzamos os mares sem fim, a máquina a vapor aniquilou a distância, a centelha elétrica e o motor a gasolina libertaram o homem da terra e até o ar foi acorrentado para fazer sua vontade. Triunfamos sobre o espaço, e os cantos mais distantes do globo foram trazidos para perto. A voz humana agora circula pelos hemisférios, e através do azul mensageiros velozes levam as saudações do homem a todos os povos do mundo.
Mesmo assim, as pessoas gemem sob pesados fardos, e não há alegria em seus corações. Suas vidas estão cheias de miséria, suas almas geladas pela carência e necessidade. A pobreza e o crime enchem todas as terras; milhares são presas da doença e da insanidade; a guerra massacra milhões e traz aos sobreviventes a tirania e a opressão.
Por que toda essa miséria e assassinato em um mundo tão rico e bonito? Por que tanta dor e tristeza em uma terra tão cheia da generosidade da natureza e da luz do sol?
“É a vontade de Deus”, diz a igreja.
“As pessoas são más”, diz o legislador.
“Tem que ser assim”, diz o tolo.
É verdade? Tem mesmo que ser assim?
Você e eu e todos nós queremos viver. Temos apenas uma vida e queremos aproveitá-la ao máximo — e com razão. Queremos alguma alegria e sol enquanto vivemos. O que acontecerá conosco depois da morte, não sabemos. Ninguém sabe. As chances são de que, uma vez mortos, permaneçamos mortos. Mas seja como for, enquanto vivemos, todo o nosso ser anseia por alegria e riso, por sol e felicidade. A natureza nos fez assim. Fez você, fez a mim, e a milhões de outros como nós, desejosos de vida e alegria. É certo e justo que sejamos privados disso e permaneçamos para sempre escravos de um punhado de homens que dominam a nós e à vida?
Isso pode ser a “vontade de Deus”, como a igreja diz?
Mas se existe um Deus, ele deve ser justo. Permitiria ele que fôssemos enganados e roubados da vida e de suas alegrias? Se existe um Deus, ele deve ser nosso pai, e todos os homens seus filhos. Um bom pai permitiria que alguns de seus filhos passassem fome e miséria enquanto outros têm tanto que nem sabem o que fazer com isso? Permitiria ele que milhares, até milhões, de seus filhos fossem mortos e massacrados apenas para a glória de algum rei ou o lucro de um capitalista? Ele sancionaria a injustiça, a violência e o assassinato? Não, meu amigo, você não pode acreditar isso de um bom pai, de um Deus justo. Se alguém lhe disser que Deus quer tais coisas, essa pessoa está mentindo para você.
Talvez você diga que Deus é bom, mas que as pessoas são más, e é por isso que o mundo está tão errado.
Mas se as pessoas são más, quem as fez assim? Certamente você não acredita que Deus fez as pessoas más, porque, nesse caso, ele próprio seria responsável. Então, se as pessoas são más, outra coisa as tornou assim. Isso pode muito bem ser. Vamos examinar isso.
Vamos ver como as pessoas são, o que são e como vivem. Vamos ver como você vive.
Desde a infância foi incutido em você que precisa ser bem-sucedido, precisa “ganhar dinheiro”. Dinheiro significa conforto, segurança, poder. Não importa quem você seja, você é avaliado pelo que “vale”, pelo tamanho de sua conta bancária. Assim lhe ensinaram, e todos os outros também. Pode se surpreender que a vida de todos se torne uma corrida pelo dinheiro, pelo dólar, e toda a existência se transforme numa luta por posses e riqueza?
A fome por dinheiro cresce com o que se alimenta. O pobre luta pela sobrevivência, por um pouco de conforto. O homem abastado deseja riquezas maiores para garantir segurança e proteção contra o medo do amanhã. E quando se torna um grande banqueiro, não pode relaxar; deve manter os olhos atentos sobre os concorrentes, com medo de perder a corrida para outro homem.
Assim, todos são obrigados a participar dessa corrida insana, e a fome por posses se torna a parte mais importante da vida; cada pensamento é voltado para o dinheiro, todas as energias são direcionadas para enriquecer, e logo a sede por riqueza se torna uma mania, uma loucura que domina tanto quem tem como quem não tem.
Assim, a vida perdeu seu único verdadeiro significado de alegria e beleza; a existência se tornou uma dança irracional e frenética ao redor do bezerro de ouro, uma adoração insana ao deus Mammon. Nessa dança e nessa adoração, o homem sacrificou todas as suas qualidades mais nobres de coração e alma — a bondade, a justiça, a honra e a humanidade, a compaixão e a solidariedade com o próximo.
“Cada um por si e o diabo pegue o último” — esse precisa se tornar o princípio e o impulso da maioria das pessoas nessas condições. Pode se surpreender que nessa corrida enlouquecida pelo dinheiro se desenvolvam os piores traços do homem — a ganância, a inveja, o ódio e as paixões mais vis? O homem se torna corrupto e mau; torna-se mesquinho e injusto; recorre ao engano, ao roubo e ao assassinato.
Olhe mais de perto ao seu redor e veja quantos erros e crimes são cometidos em sua cidade, em seu país, no mundo todo, por causa do dinheiro, da propriedade, da posse. Veja como o mundo está cheio de pobreza e miséria, veja os milhares que caem vítimas da doença e da insanidade, da loucura e da violência, do suicídio e do assassinato — tudo por causa das condições desumanas e brutalizantes em que vivemos.
Com razão disse o sábio que o dinheiro é a raiz de todo mal. Onde quer que você olhe, verá o efeito corrosivo e degradante do dinheiro, da posse, da mania de ter e manter. Todo mundo está louco para conseguir, para agarrar de qualquer jeito, para acumular o máximo que puder, para que possa desfrutar hoje e se assegurar para amanhã.
Mas será correto, então, dizer que o homem é mau? Ele não é forçado a participar dessa corrida pelo dinheiro pelas condições de existência, pelo sistema insano em que vivemos? Porque você não tem escolha — deve entrar na corrida ou ser esmagado.
É sua culpa, então, que a vida o force a ser e agir assim? É culpa do seu irmão ou do seu vizinho ou de qualquer outra pessoa? Não é antes que todos nós nascemos nesse esquema louco das coisas e que temos que seguir o fluxo?
Mas não será o próprio esquema errado que nos faz agir assim? Pense bem e verá que, no fundo, você não é mau, mas que as condições frequentemente o obrigam a fazer coisas que você sabe que são erradas. Você preferiria não fazê-las. Quando pode se permitir, seu impulso é ser bondoso e ajudar os outros. Mas se seguisse sua inclinação nesse sentido, negligenciaria seus próprios interesses e logo estaria em necessidade.
Assim, as condições de existência reprimem e sufocam nossos instintos de bondade e humanidade e nos endurecem contra a necessidade e a miséria do próximo.
Você verá isso em todas as fases da existência, em todas as relações humanas, por toda a nossa vida social. É claro, se nossos interesses fossem os mesmos, não haveria necessidade de alguém tirar vantagem do outro. Porque o que seria bom para João também seria bom para José. De fato, como seres humanos, como filhos de uma mesma humanidade, realmente temos os mesmos interesses. Mas como membros de um arranjo social tolo e criminoso — nosso atual sistema capitalista — nossos interesses não são nada semelhantes. Na verdade, os interesses das diferentes classes na sociedade são opostos; são inimigos e antagônicos, como já apontei em capítulos anteriores.
É por isso que você vê homens se aproveitando uns dos outros sempre que podem lucrar com isso, quando seus interesses assim o ditam. Nos negócios, no comércio, nas relações entre patrão e empregado — em toda parte você verá esse princípio em ação. Todos tentam passar à frente do outro. A competição se torna a alma da vida capitalista, começando com o banqueiro bilionário, o grande fabricante e o senhor da indústria, por toda a escala social e financeira, até o último trabalhador da fábrica. Pois até mesmo os trabalhadores são forçados a competir entre si por empregos e melhores salários.
Desse modo, toda a nossa vida se torna uma luta do homem contra o homem, da classe contra a classe. Nessa luta, todos os métodos são usados para alcançar o sucesso, para derrubar o concorrente, para se elevar acima dele por todos os meios possíveis.
É claro que tais condições desenvolverão e cultivarão as piores qualidades do homem. É igualmente claro que a lei protegerá aqueles que têm poder e influência, os ricos e abastados, não importa como tenham adquirido suas riquezas. O pobre inevitavelmente sairá perdendo nessas circunstâncias. Tentará fazer o mesmo que o rico faz. Mas como não tem a mesma oportunidade de promover seus interesses sob a proteção da lei, muitas vezes tentará agir fora da lei e acabará sendo apanhado por ela. Embora não tenha feito nada mais que o rico — apenas tirou vantagem de alguém, enganou alguém — fez isso de forma “ilegal”, e você o chama de criminoso.
Olhe para aquele pobre garoto, por exemplo, ali na esquina. Está esfarrapado, pálido e meio faminto. Ele vê outro menino, filho de pais ricos, e esse garoto veste roupas bonitas, está bem alimentado, e nem sequer se digna a brincar com o garoto pobre. O menino esfarrapado sente raiva dele, ressentimento e ódio. E em todos os lugares que vai, experimenta a mesma coisa: é ignorado e desprezado, frequentemente maltratado — sente que as pessoas não o consideram tão bom quanto o garoto rico, a quem todos respeitam e tratam bem. O garoto pobre se amarga. E quando cresce, vê de novo a mesma situação: os ricos são admirados e respeitados, os pobres são chutados e desprezados. Então o pobre passa a odiar sua pobreza e pensa em como pode enriquecer, ganhar dinheiro, e tenta consegui-lo de qualquer maneira, tirando vantagem dos outros, como sempre tiraram dele, enganando, mentindo e, às vezes, até cometendo crimes.
Então você diz que ele é “mau”. Mas você não vê o que o tornou mau? Não percebe que foram as condições de toda a sua vida que o fizeram assim? E não percebe que o sistema que mantém essas condições é um criminoso maior do que o pequeno ladrão? A lei intervém para puni-lo, mas não é essa mesma lei que permite a existência dessas condições ruins e sustenta o sistema que cria criminosos?
Reflita: não será a própria lei, o próprio governo, que realmente cria o crime ao obrigar as pessoas a viverem em condições que as tornam más? Veja como a lei e o governo sustentam e protegem o maior crime de todos, a mãe de todos os crimes: o sistema capitalista de trabalho assalariado — e depois se voltam para punir o pobre criminoso.
Considere: faz alguma diferença se você comete o mal protegido pela lei ou se o faz de forma ilegal? A ação é a mesma e os efeitos são os mesmos. Pior ainda: o crime legal é o mal maior porque causa mais miséria e injustiça do que o crime ilegal. O crime legal acontece o tempo todo; não é punido e é facilitado, enquanto o crime ilegal é menos frequente e tem escopo e efeito mais limitados.
Quem causa mais miséria: o rico industrial que reduz os salários de milhares de trabalhadores para aumentar seus lucros, ou o homem desempregado que rouba algo para não morrer de fome?
Quem comete o maior erro: a esposa do magnata da indústria gastando mil dólares num colar de prata para seu cão de estimação, ou a jovem mal paga na loja de departamentos do magnata, incapaz de resistir à tentação e apropriando-se de algum bibelô?
Quem é o maior criminoso: o especulador que manipula o mercado de trigo e obtém um lucro milionário aumentando o preço do pão do pobre, ou o andarilho sem-teto que comete um furto?
Quem é o maior inimigo da humanidade: o ganancioso barão do carvão responsável pelo sacrifício de vidas humanas em suas minas mal ventiladas e perigosas, ou o desesperado culpado de assalto e roubo?
Não são os crimes puníveis por lei que causam os maiores males no mundo. São os crimes legais e os erros impunes, justificados e protegidos pela lei e pelo governo, que enchem a Terra de miséria e necessidade, de conflitos e lutas, de guerras e destruição.
Ouvimos muito falar sobre crime e criminosos, sobre furtos e roubos, sobre ofensas contra pessoas e propriedades. As colunas da imprensa diária estão cheias de tais reportagens. É considerado o “noticiário” do dia.
Mas você ouve falar muito sobre os crimes da indústria e dos negócios capitalistas? Os jornais lhe contam algo sobre o roubo e o furto constantes representados pelos baixos salários e altos preços? Escrevem muito sobre a miséria generalizada causada pela especulação no mercado, pela adulteração dos alimentos, pelas mil e uma outras formas de fraude, extorsão e agiotagem nas quais o comércio e a indústria prosperam? Contam a você sobre os males e injustiças, sobre a pobreza, sobre os corações partidos e lares destruídos, sobre a doença e a morte prematura, sobre o desespero e o suicídio que seguem, de forma constante e regular, na esteira do sistema capitalista?
Contam a você sobre a angústia e a preocupação dos milhares lançados ao desemprego, sem que ninguém se importe se vivem ou morrem? Falam sobre os salários de fome pagos às mulheres e meninas em nossas indústrias, esmolas que diretamente obrigam muitas delas a prostituírem seus corpos para ajudar a sustentar a vida? Falam sobre o exército de desempregados que o capitalismo mantém pronto para tomar o pão da sua boca quando você entra em greve por melhores salários? Falam que o desemprego, com toda a sua dor, sofrimento e miséria, é causado diretamente pelo sistema capitalista? Contam como o suor e o esforço do escravo assalariado são transformados em lucros para o capitalista? Como a saúde, a mente e o corpo do trabalhador são sacrificados à ganância dos senhores da indústria? Como o trabalho e vidas humanas são desperdiçados na estúpida competição capitalista e na produção sem planejamento?
De fato, eles falam muito sobre crimes e criminosos, sobre a “maldade” e o “mal” do homem, especialmente das “classes inferiores”, dos trabalhadores. Mas não dizem que as condições capitalistas produzem a maioria de nossos males e crimes, e que o próprio capitalismo é o maior crime de todos; que devora mais vidas em um único dia do que todos os assassinos juntos. A destruição de vidas e propriedades causada por criminosos em todo o mundo, desde que a vida humana começou, é mera brincadeira de criança se comparada aos dez milhões de mortos e vinte milhões de feridos e ao incalculável estrago e miséria causados por um único evento capitalista, a recente Guerra Mundial. Esse estupendo holocausto foi o filho legítimo do capitalismo, como todas as guerras de conquista e lucro são o resultado dos interesses financeiros e comerciais conflitantes da burguesia internacional. Foi uma guerra por lucros, como posteriormente admitido até mesmo por Woodrow Wilson e sua classe.
Lucros novamente, como você vê. Transformando carne e sangue humanos em lucros em nome do patriotismo.
“Patriotismo!”, você protesta; “mas isso é uma causa nobre!”
“E o desemprego,” pergunta seu amigo, “é o capitalismo responsável por isso também? É culpa do meu patrão ele não ter trabalho para me oferecer?”
- Informações
- Prefácio
- Introdução
- Capítulo 1 — O que você quer da vida?
- Capítulo 2 — O sistema de salários
- Capítulo 3 — Lei e governo
- Capítulo 4 — Como o sistema funciona
- Capítulo 5 — Desemprego
- Capítulo 6 — Guerra?
- Capítulo 7 — Igreja e escola
- Capítulo 8 — Justiça
- Capítulo 9 — A igreja pode ajudá-lo?
- Capítulo 10 — O reformador e o político
- Capítulo 11 — O sindicato
- Capítulo 12 — De quem é o poder?
- Capítulo 13 — Socialismo
- Capítulo 14 — A Revolução de Fevereiro
- Capítulo 15 — Entre fevereiro e outubro
- Capítulo 16 — Os bolcheviques
- Capítulo 17 — Revolução e ditadura
- Capítulo 18 — A ditadura em ação
- Capítulo 19 — O anarquismo é violência?
- Capítulo 20 — O que é o anarquismo?
- Capítulo 21 — A anarquia é possível?
- Capítulo 22 — O anarquismo comunista vai funcionar?
- Capítulo 23 — Anarquistas não-comunistas
- Capítulo 24 — Por que a revolução?
- Capítulo 25 — A ideia é o essencial
- Capítulo 26 — Preparação
- Capítulo 27 — Organização do trabalho para a revolução social
- Capítulo 28 — Princípios e prática
- Capítulo 29 — Consumo e troca
- Capítulo 30 — Produção
- Capítulo 31 — Defesa da revolução